2009: o ano da crise

Seria engraçado, se não fosse triste e preocupante. Há um ano, nesta mesma coluna, revelei minhas preocupações para 2008. O principal palpite, em uma época de loas ao nosso crescimento econômico, era o de que seria um ano perdido. Embalados pela doce ilusão de um crescimento inercial, deixaríamos de promover as reformas necessárias para um desenvolvimento sustentável, ficando para trás do resto do mundo (“2008: o lado negativo da estabilidade” acesso em www.paranaonline.com.br). Ou seja: o problema era a estabilidade. Doce problema.

Foi-se a estabilidade. O ciclo dourado de crescimento foi substituído pela crise. De tão grave, ela nem tem um nome especial, como foi o caso da crise do petróleo, da crise dos mísseis e tantas outras. É simplesmente a crise.

Nos tempos de crise, as verdades se escancaram. Duas delas, sempre negadas pelo governo federal, estão à nossa frente, sem possibilidade de contorno retórico ou negação contumaz. A primeira é a de que a crise já está afetando, e severamente, o Brasil. Segundo nosso presidente, sentiríamos apenas uma marola em comparação à tempestade que assolava outros países. Algumas vezes o presidente se referiu à “crise dos americanos”. Mas a Bovespa fechou 2008 revelando perdas superiores a 41% sobre o valor das ações nela cotadas. Mais de 41% do valor de mercado de nossas principais companhias virou pó. Acho que não dá mais para fingir que não temos nada com a crise.

A segunda das verdades da crise é a de que dela não se pode sair sem a tomada de medidas severas. Medidas que não foram tomadas no passado, ao contrário do que alega nosso presidente, e que não estão sendo tomadas no presente. Lula afirma quase diariamente que nós nos preparamos para a crise. Mas, até agora, não explicou quais foram estas milagrosas medidas preparatórias. A existência de reservas cambiais não nos blinda, e não é mérito deste governo.

A respeito da primeira das verdades, cabe fazer uma explicação complementar. A crise está dividida em dois momentos. O primeiro deles foi a crise de crédito derivada da descoberta de operações financeiras excessivamente alavancadas. Não sentimos mais fortemente seus efeitos imediatos principalmente em razão do atraso de nossa economia. Mas o mundo logo percebeu que não se tratava apenas de lidar com os reflexos da quebra de algumas importantes instituições financeiras. O problema era outro. A crise no setor financeiro era o sintoma de algo mais grave, que é a crise no consumo. Melhor dizendo, a crise da previsibilidade do consumo. O super-endividamento dos consumidores, a mudança de hábitos de consumo, a diminuição do poder de imposição de hábitos de consumo por meio da mídia (que não está mais centrada em uns poucos canais de televisão) e, principalmente, o medo de consumo das reservas em um ambiente em que a possibilidade de desemprego é alta, trazem dois efeitos econômicos graves. O primeiro é a redução imediata no faturamento dos agentes econômicos. A segunda, e muito mais complicada, é a falta de previsibilidade do faturamento no futuro, o que dificulta as projeções de risco e torna mais complexo não só o processo decisório de manter ou ampliar as atividades, como também de buscar fontes de financiamento que acreditem na viabilidade econômica dos empreendimentos. Esta é crise. É sobre esta realidade que temos que trabalhar.

São fatos econômicos graves. Fatos econômicos que não se afastam sem a tomada de medidas governamentais sérias. Até o momento, nosso governo federal tomou algumas medidas paliativas. Além disso, promoveu muita propaganda. Basicamente, negou o problema. O preço virá.

Em seu excepcional “Código da Vida”, Saulo Ramos recomenda ao nosso presidente a leitura do livro “O Fim da Pobreza”, de Jeffrey Sachs. Como disse o autor, em sua recomendação, “ler um livro, ainda que seja um só, não fará mal algum” (p. 301). Armado da mesma esperança, eu recomendaria uma leitura, com os olhos no presente, do monumental “Memórias da Segunda Guerra Mundial”, de Winston Churchill. O principal personagem da maior das crises do último século nos ensina que a negação da realidade somente piora as consequências, ao comentar os anos que antecederam à Guerra. Ensina mais. Para ficar no chavão: sem sangue, suor, lágrimas e trabalho não se pode vencer.

Em tempo: entre outras distinções meritórias, Churchill ganhou um Prêmio Nobel de Literatura. No Brasil, ser iletrado tornou-se mote eleitoral. Para isso também há um preço.

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