A crise acabou – E agora?

Nosso artigo deve facilitar o entendimento e ao mesmo tempo oferecer uma visão construtiva sobre o tema. Apresentar uma chamada clara é um primeiro exemplo de como fazer, mas existem outras estratégias. [...]

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Sobrevivemos. Ainda que muitas das feridas abertas com a crise não estejam cicatrizadas, o Brasil, a exemplo de maior parte das economias mundiais, retomou a marcha de crescimento. Há aumentos notáveis nos campos da geração de empregos, do investimento estrangeiro direto, da concessão de crédito e do volume de vendas ao consumidor. Os mares ainda estão turbulentos, mas a tempestade ficou para trás.

Diante destes fatos, seria muito agradável se pudéssemos concluir que encontramos o caminho correto para a superação da crise. Mas não podemos. O principal instrumento utilizado pelo governo brasileiro foi o estímulo ao consumo por meio da redução da carga tributária em setores considerados estratégicos. Ótimas notícias foram geradas, mas a matemática simples demonstra que somente uma parte da lição foi feita, e que os bons resultados serão apenas momentâneos se não nos dispusermos a concluir o trabalho.

A simplicidade do raciocínio não afasta a sua correção: a menor tributação gera maior poder de compra dos salários, o que aquece a economia. Mas a redução de alíquotas também gera uma redução na arrecadação. Isto não seria problema, se houvesse um corte proporcional nos gastos públicos. Se estes se mantiverem, ou se aumentarem, o governo terá que encontrar meios para manter, ou mesmo elevar, o padrão de arrecadação. E assim os benefícios para uma área serão suportados por todas as demais.

No Brasil, bem sabemos que a redução das despesas governamentais está longe de acontecer. Os gastos do governo só têm feito aumentar. E o pior: aumentar no campo do custeio da máquina pública, e não no dos investimentos. O governo incha o quadro de funcionários públicos, eleva seus salários e cria novas despesas previdenciárias, enquanto a infraestrutura nacional recebe um tapa-buracos de tempos em tempos.

A se manter este caminho, a Anfavea poderá comemorar vendas fenomenais para um ano de crise. Mas a sustentabilidade do modelo econômico será um sonho distante. E assim perderemos uma oportunidade histórica única no sentido de assumir uma posição de comando na economia mundial.

Parece não haver dúvida entre os analistas quanto à elevação da relevância da economia brasileira no plano internacional. Este é um resultado direto de seu potencial natural (riqueza em energia, água e outros recursos humanos e naturais), somado ao fato de a crise ter gerado danos pouco visíveis se comparados com os suportados pela Europa e pelos Estados Unidos.

Abriu-se uma janela para que finalmente deixemos de ser o país do futuro. Mas esta oportunidade ainda depende de muito trabalho. Trabalho da academia, do governo, dos setores produtivos e da sociedade civil para discutir um implantar soluções que tragam sustentabilidade ao nosso desenvolvimento econômico.

Este modelo deve gerar, de forma equilibrada, resultados em três áreas distintas:

a) redução do padrão de riscos jurídicos impostos sobre a atividade econômica;
b) redução do padrão de custos jurídicos impostos sobre a atividade econômica; e
c) criação de mecanismos eficientes de suporte aos excluídos do mercado de trabalho.

Os dois primeiros campos de trabalho envolvem uma questão puramente econômica. A premissa básica é a de que um projeto isolado de criação de uma empresa deve partir de uma análise quanto à existência de um mercado a ser explorado. Nesta análise, deve-se projetar o preço do produto ou serviço que será oferecido para, então, inferir se há um público consumidor com interesse em pagar tal preço.

No cálculo do preço a ser praticado, deve-se levar em conta os custos e os riscos vinculados à operação. Na quantificação dos custos, deve-se aferir não somente aqueles naturalmente vinculados à atividade econômica (insumos, equipamentos, energia, salários), como também os impostos pelo ordenamento jurídico (encargos e tributos).

Já a composição dos riscos é uma atividade mais complexa. Complexa e fundamental. Se os riscos não forem considerados, na primeira oportunidade em que se tornarem fatos (e, portanto, custos), as margens aplicadas aos custos inicialmente previstos não serão suficientes à cobertura desta nova despesa. O resultado óbvio é a insolvência.
Riscos há em qualquer atividade econômica. Eles são tanto os de natureza negocial (o risco de surgir um concorrente mais eficiente, que tome para si o mercado) quanto os de natureza jurídica (especialmente a responsabilidade pessoal de sócios e administradores em relação aos atos empresariais). Quanto maiores os riscos, maiores deverão ser as margens brutas aplicadas sobre os custos gerais do produto. Somente assim será possível suportá-los quando tais riscos se concretizarem em fatos.

O grande problema é que, quando se aplica sobre o preço a totalidade dos riscos assumidos pelo agente econômico, pode-se chegar a um valor final bastante elevado, que não poderia ser assimilado pelo público consumidor. E, assim, muitos projetos são engavetados. Ou seja: a viabilidade econômica de projetos empresariais é resultado da capacidade de o público consumidor pagar o preço projetado para o produto ou serviço; preço que é diretamente afetado pelas regras jurídicas que tratam dos riscos impostos aos agentes econômicos.

Aplicando estes conceitos teóricos à estratégia até agora adotada pelo governo brasileiro para a superação da crise, constata-se que a redução de certas alíquotas de tributos trata apenas de uma parte do problema, e apresenta efeitos bastante limitados. Reduz-se um custo para certos empresários. Mas não se trabalha o complexo problema dos riscos jurídicos.

Dentre os riscos que se impõem sobre os empresários brasileiros de forma mais severa do que ocorre em outros países, podemos citar os seguintes:

a) a desconsideração da personalidade jurídica é aplicada como regra, e não como exceção. Desta forma, as dívidas assumidas em nome de uma sociedade limitada acabarão por ser pagas pelos sócios e administradores, mesmo que a insolvência da sociedade não tenha derivado de fraude. Isto desestimula potenciais empreendedores que tenham patrimônio pessoal já formado;
b) os contratos tornaram-se uma mera declaração de intenções, que podem ser revistas e adequadas ao senso de justiça social que orientar o julgador a quem a ação revisional for distribuída. Esta tendência abala a segurança jurídica, sem a qual não é possível empreender com vistas ao longo prazo. Outro efeito é a elevação dos custos com o crédito;
c) a cobrança judicial de créditos é uma empreitada árdua e poucas vezes bem sucedida, o que também colabora para o aumento dos custos de acesso ao crédito;
d) a aquisição de uma empresa é regulada com tal rigor (e mesmo com a presunção de fraude em várias situações), que os empresários deixam de fazê-la, o que desestimula sensivelmente o empreendedorismo;
e) o senso comum de aplicação de certos princípios constitucionais à atividade empresarial (em especial o da dignidade da pessoa humana), consagra um senso de justiça ao estilo de Robin Hood, o que também afeta a segurança jurídica e mina o ambiente empreendedor; e
f) condenações trabalhistas podem atingir cifras elevadíssimas, e serão cobradas de qualquer pessoa direta ou indiretamente relacionada com a empresa. Em muitas ocasiões, na defesa de um determinado reclamante acaba-se por tolher a geração de empregos.

Esta listagem é claramente incompleta. Um conversa com qualquer empresário revela uma lista enorme de situações em que o mesmo é tratado como um fraudador, e não como alguém que aloca capital próprio e muito trabalho em uma atividade que gera os empregos tão necessários em uma país como o nosso.

Uma composição mais racional dos riscos impostos pelo ordenamento jurídico aos empreendedores brasileiros não geraria apenas a possibilidade de redução de preços. Haveria também a criação de muitas novas empresas. Inúmeros projetos seriam colocados em marcha se fosse afastada a infeliz presunção de que os empresários seriam promotores da desigualdade social e, portanto, merecedores do máximo rigorismo da lei. Aliás, da lei e da pena do julgador, quando a lei não bastasse.

Todo este raciocínio parte da premissa de que a economia de mercado é necessária para a promoção do desenvolvimento nacional. Desenvolvimento que não deve ser confundido com a elevação do PIB. Os objetivos essenciais são a elevação da qualidade de vida de nossa população e a redução da pobreza.

Para tanto, nossas políticas não podem focar apenas no crescimento econômico. Outro campo em que seria necessário trabalhar com extrema dedicação é o da revisão das políticas de proteção aos excluídos.

A economia de mercado, ainda que seja o caminho para o desenvolvimento de nosso país, também gera resultados essencialmente negativos, cuja redução depende de uma atuação apropriada das instâncias governamentais, seja no sentido de impedir práticas lesivas aos interesses sociais, seja no de tutelar de forma direta aqueles que sofrem pessoalmente com o desemprego e o desamparo. Nas duas áreas de atuação, há muito o que fazer.

Das declarações de nossos governantes poderíamos até pensar que a proteção aos menos favorecidos é uma política eficiente, que deve ser incentivada e incrementada. Mas estas declarações, ainda que representem um grande impacto eleitoreiro, estão desvinculadas daquilo que deveria se esperar de uma política social.

Acredito que a política representada pelo Bolsa Família gera bons resultados de curto prazo. Muitas pessoas foram retiradas da miséria absoluta. Mas, no longo prazo, não creio em sua sustentabilidade. Aliás, não creio mesmo em seu humanismo.

O principal ponto a ser investigado é a dependência gerada pelo recebimento do benefício, que pode desestimular as pessoas que o recebem a não abandoná-lo. E assim a miséria se torna pobreza; mas esta pobreza se perpetua.

Mark Lathan, que foi líder do partido trabalhista australiano, foi preciso ao afirmar que “um Estado de bem-estar social revitalizado só tem dois propósitos conduzir as pessoas ao trabalho ou a novas habilidades. O governo precisa subsidiar a cidadania ativa, e não adular os inativos. A menos que os receptores de benefícios sociais estejam dispostos a assumir a responsabilidade de aprimorar a si mesmos e à sociedade em que vivem, eles não têm o direito de viver permanentemente à custa da sociedade. Os dias de benefício social irrestrito precisam ter fim.” (in GIDDENS, Anthony. O Debate Global Sobre a Terceira Via, pp. 53-54)

Aliás, o benefício social irrestrito parece estar fundado na premissa de que as pessoas não teriam capacidade de sustento próprio; de que a pobreza seria um fardo eterno.

Nesta semana circulou pelos blogs a notícia de que o sindicato das indústrias têxteis cearenses teria promovido um curso de capacitação para 500 costureiras, todas beneficiárias do Bolsa Família. Ao final do curso, nenhuma teria aceitado as ofertas de trabalho que lhes foram dirigidas. O motivo seria a preferência pelo benefício, em comparação ao salário que lhes era oferecido.

Não consigo acredita que isto tenha de fato ocorrido. Mas o fato é que a história é tristemente crível diante de uma política previdenciária que Jarbas Vasconcelos bem alcunhou de “maior programa oficial de compra de votos do mundo”.

E aqui vem o maior dos obstáculos a ser superado: não podemos esperar que o governo estude e implemente todas as medidas necessárias à garantia de um desenvolvimento sustentável.

O objetivo da maioria de nossos líderes políticos é a vitória nas próximas eleições. Não se vislumbra um horizonte além dos 4 anos que os separam do próximo pleito. Com isso, boas campanhas publicitárias parecem ser o melhor remédio para nos fazer crer que tudo vai bem, mesmo que qualquer análise feita sobre o mundo real mostre que nosso modelo econômico está longe de se mostrar sustentável no longo prazo.

É por isso que a construção de um futuro melhor depende essencialmente da sociedade civil. Os estudos, as conclusões e a pressão por sua implantação devem partir de instituições despreocupadas com as próximas eleições. Instituições como a OAB e a AMB, que possuem legitimidade e estrutura de sobra para se dedicar à construção de um Brasil efetivamente grande. E, quando nos afastamos da dependência de nosso governo e vislumbramos a capacidade de nossa população, podemos acreditar neste sonho.

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