A (des)burocratização das juntas comerciais

Como se não bastassem as dificuldades impostas pela crise econômica, o empresário brasileiro é obrigado a lutar dia após dia contra o poder paralisante da burocracia. Este poder é bem demonstrado no ranking Doing Business, produzido pelo Banco Mundial e no qual os países são classificados de acordo com a facilidade para fazer negócios. Nele, o Brasil ocupa a nada confortável 116.ª posição.

Qualquer medida que vise à redução da burocracia é bem vinda. E uma destas medidas está no Projeto de Lei 2.097/2015, em trâmite na Câmara dos Deputados. O projeto cria mecanismos para que assembleias sociais possam ser feitas por meio de videoconferência (o que facilitaria a participação de sócios estrangeiros). Além disso, e mais importante: a proposta contém mecanismos para que documentos eletrônicos possam ser diretamente arquivados nas juntas comerciais. A iniciativa merece aplausos. Mas será pouco eficaz se, antes, não for resolvido outro problema.

Nos últimos anos, as juntas comerciais passaram a impor regras quanto à forma dos documentos societários. Estas regras tratam do espaço de rodapé, da forma do cabeçalho, da (im)possibilidade de utilização de papel reciclável, da (im)possibilidade de impressão em frente e verso, do tamanho da letra e de outros temas com o mesmo nível de (des)importância. E o que é pior: muitas juntas comerciais têm regras próprias, o que faz com o documento tenha de ser formatado de formas diferentes dependendo do estado em que o mesmo deva ser arquivado.

É evidente que este problema pode ser solucionado de forma simples. Basta que caiba exclusivamente ao Drei, departamento do governo federal encarregado de organizar o registro empresarial, a criação de regras de registro empresarial. E que o Drei simplifique as coisas, exigindo o que é relevante e não se preocupando com o tamanho das letras dos documentos.

Outro debate interessante que pode surgir do projeto de lei é relativo à própria estrutura do contrato social, uma figura jurídica centenária que precisa evoluir. Em teoria, os sócios negociam cada um de seus termos, definindo os limites de atuação da empresa, bem como os direitos e obrigações individuais de cada sócio. Mas, na prática, os contratos sociais são redigidos de forma padronizada, apenas para atender às exigências de arquivamento pela Junta Comercial. O contrato social se limita a uma exigência formal; um papel para assinar entre tantos outros exigidos pela burocracia brasileira.

É preciso compreender que, na essência, o ato de constituição de uma sociedade limitada tem conteúdo mais próximo de um cadastro do que de um contrato. Nele, são informados o nome da sociedade, sua sede, o prazo de duração, seus sócios, o objeto social, o capital social, seus administradores (com a declaração de desimpedimento para o exercício de suas funções). Todo o resto é opcional. O documento contém os elementos que devem ser tornados públicos. E, como raramente vai-se além da indicação destes elementos obrigatórios, a figura do contrato poderia ser substituída por um cadastro eletrônico em que estes elementos sejam informados.

Com o sistema de cadastro em substituição ao do contrato, a criação de uma empresa seria mais simples e mais segura. Os empreendedores poderiam compreender melhor seu conteúdo, já que cada campo a ser preenchido poderia contar com o tutorial explicando seu conteúdo. Além disso, poderiam ser apresentadas aos empreendedores cláusulas facultativas que poderiam tornar mais completa e mais clara a relação entre os sócios, evitando problemas no futuro. Por exemplo, poderiam ser relacionadas como parte opcional do cadastro (com breve explicação quanto às vantagens e desvantagens de sua adoção) cláusulas de direito de preferência na aquisição de quotas, de distribuição desproporcional de lucros, ou de adoção de cláusula arbitral para a solução de litígios, entre tantas outras. Bastaria aos sócios incluir a adesão a estas cláusulas opcionais. Esta adesão decorreria da aplicação da assinatura eletrônica dos empreendedores, o que facilitaria o controle quanto à sua identidade. E assim seria dificultada uma fraude clássica: a inclusão de pessoas como sócias sem que essas pessoas tenham conhecimento do fato antes que muitas fraudes tenham sido cometidas em seu nome.

Além da vantagem de tornar tudo mais ágil, mais claro e mais seguro, esse sistema facilitaria a vida dos teóricos do direito empresarial. Não seria necessário invocar a teoria da plurilateralidade do contrato social, exposta por Tulio Ascarelli, para justificar que as alterações deste contrato possam ser decididas pela maioria. Enfim, este seria um processo simples, rápido e seguro para a constituição de uma sociedade empresária. Bastaria alterar alguns dispositivos do Código Civil e da Lei de Registro Empresarial, dificuldade que parece pequena diante dos benefícios que podem ser colhidos.

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