A preservação da democracia em tempos de crise

A história revela que os tempos de crise são a época perfeita para que o poder seja concentrado nas mãos de um ou de alguns. A Alemanha que viu Hitler ascender ao poder era tomada pela pobreza e pela carência dos itens mais básicos de subsistência. Na ainda jovem Itália, resultado da unificação frágil de regiões atrasadas e pouco produtivas, Mussolini não teve dificuldades em encontrar lugar nos ombros do povo. Na fome, no desespero e na desilusão soa bem o discurso daqueles que assumem individualmente a responsabilidade por encontrar um caminho de salvação. Caminho que usualmente passa pela concentração de poderes. E assim os ditadores, em seus mais variados graus de despreparo e desvario, marcaram seus nomes na história.

Inacreditavelmente, há quem imagine que as soluções para superar a atual crise passam pela restrição de atuação das instituições democráticas, concentrando poderes nas mãos dos mais “preparados”, dos líderes indiscutíveis que, com pulso firme, nos levariam a mares mais tranquilos. E este discurso ganha corpo nestas semanas em que as críticas ao Senado ganham cores fortes. Críticas (também voltadas contra a Câmara e mesmo as assembleias legislativas de alguns estados) que levam senadores e deputados à condenação pública. Críticas que conduzem a reações imediatas impensadas, chegando-se ao ponto de se afirmar que o país passaria bem (e com mais dinheiro no bolso) se estas instituições fossem simplesmente fechadas.

Aí está o engano. As instituições democráticas não podem ser confundidas com seus integrantes. O Senado, por piores que sejam os senadores (e nem todos, por certo, são os bandidos que perpassam o imaginário popular) é uma instituição essencial à sobrevivência de um regime democrático, assim como também o são as demais instâncias do Poder Legislativo.

Sem um Legislativo independente (e, por óbvio, sem um Judiciário de igual forma encorpado e defensor do projeto de desenvolvimento nacional inscrito em nossa Constituição), o que restaria seria um Estado com dono, com filho do dono e aduladores do dono. Um Estado pensado e programado para atender às necessidades e desejos do dono. Um Estado em que o interesse social é um detalhe retórico diante da enormidade de um poder que encantaria os mais equilibrados sábios.

Concentração de poderes sempre foi um caminho para a consagração da ignorância e da força. Não houve na história um só sábio, um só benfeitor que tenha se valido do absolutismo político. Os absolutistas sempre foram os piores exemplos de usurpadores puros e simples da riqueza construída pelos braços do povo. De um povo inicialmente iludido pela retórica para depois ser mantido unido pela força.

Aliás, a ilusão retórica quase sempre passou pela afirmação de que a concentração de poderes era uma necessidade temporária, para atender a uma situação emergencial. Mas, pelo que se sabe, o poder nunca é devolvido quando a necessidade passa. Aliás, nesses regimes, as necessidades tendem a aumentar, e não a passar.

Parece evidente que um partido com a tradição democrática do PT não cogitaria propor uma solução de concentração de poderes ou de limitação do campo de atuação do Legislativo e do Judiciário. Sua história de envolvimento nas lutas sociais e sua ampla base de militância tornam absurda qualquer proposta neste sentido.

Sinceramente não acredito que este seja o futuro do Brasil, ainda que os exemplos recentes de nossos vizinhos latino-americanos não sejam os mais recomendados. Nossa democracia atingiu um nível de consolidação que não permitiria este abuso.

Contudo, é mais do que conveniente que os simplistas que acreditam que a crise não se resolve com o diálogo, mas pela ação concentrada de uma liderança sem oposição e controle, revejam suas pueris conclusões. Se não pelos argumentos da política, que seja pela lembrança da história recente da humanidade.

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