Diretores Residentes no País: Exigência Obsoleta?

A Lei Federal nº 14.195, de 26 de agosto de 2021, alterou, dentre outros dispositivos, o artigo 146 da Lei das S.A., que trata dos requisitos e impedimentos para eleição de membros da administração. Ao contrário de sua redação anterior, não mais se exige, expressamente, como requisito de eleição, que os diretores residam no País.

Por outro lado, as Instruções Normativas do DREI, órgão responsável pelas Juntas Comerciais da República Federativa do Brasil, continuam conferindo a tal requisito o caráter de obrigatoriedade.

Diante disso, tem-se o questionamento: depois da mudança na lei, é possível eleger diretores não residentes no Brasil? Em nossa opinião, sim, pelos motivos abaixo.

Em primeiro lugar, o direito societário tem como norte a autonomia privada e o princípio da legalidade, consagrado na Constituição Federal. Significa dizer, portanto, que das pessoas, inclusive jurídicas, só se pode exigir aquilo que a lei expressamente prever. Assim, como o critério de residência no País não mais consta no texto legal, seu caráter obrigatório desaparece. E só isso bastaria.

Em segundo lugar, o artigo 145 da Lei das S.A. é claro ao determinar que “as normas relativas a requisitos, impedimentos, investidura, remuneração, deveres e responsabilidade dos administradores aplicam-se a conselheiros e diretores”. Nesse sentido, não há dúvida que o já referido artigo 146, ao tratar dos requisitos e impedimentos dos órgãos da administração, deve ser aplicado de forma irrestrita aos diretores. É importante dizer, contudo, que esse raciocínio implica obediência ao §2º do mesmo artigo, segundo o qual a eleição de administrador residente no exterior exige a nomeação de um representante legal residente no Brasil.

Por fim, em terceiro lugar, da mesma forma que nenhuma palavra deve ser desconsiderada na interpretação da norma, não se pode, tampouco, ignorar a exclusão de requisito que era, em sua versão anterior, obrigatório. Além disso, é importante observar que a própria Lei Federal nº 14.195/2021 atribui, como um de seus objetivos, a desburocratização societária. Por essas razões, podemos dizer que a interpretação teleológica da norma sugere que o legislador teve a intenção de revogar uma exigência que vinha se tornando obsoleta, já que sua principal justificativa, do ponto de vista teórico, vem perdendo força na prática.

Nesse sentido, segundo a doutrina, de modo geral e resumido, o diretor só poderia participar assiduamente da gestão da sociedade e representá-la adequadamente se no Brasil estivesse.

Não podemos esquecer, contudo, que uma das funções e virtudes mais importantes do Direito é regular o mundo dos fatos e servir como resposta às inovações da vida. Nessa linha de raciocínio, não poderia mais a legislação societária ignorar que a tecnologia praticamente acabou com o obstáculo da distância geográfica, o que ficou ainda mais evidente durante a pandemia do Covid-19, quando o mundo aprendeu, dentre outras coisas, o poder das videochamadas e das assinaturas digitais.

Ou seja, gestão e presença física já não têm mais uma relação de simbiose. Tornaram-se conceitos independentes. Enfraquecido está, portanto, o motivo teórico que embasava a exigência de residência dos diretores no País. Em outras palavras, tornou-se ela obsoleta.

Assim, embora não tenhamos conhecimento de qualquer manifestação sobre o assunto por parte dos órgãos competentes ou mesmo da doutrina, a expectativa é que o entendimento aqui apresentado seja confirmado.

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