Dois limites à aplicação da law and economics ao direito brasileiro

Ronald Coase é o pai do movimento de interpretação do direito designado de Law and Economics, que floresceu em Chicago na década de 1970 e influenciou a interpretação do direito em todo o mundo.

Para Coase (que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1991), os fatos jurídicos devem ser analisados sob a ótica da eficiência econômica, estudando-se principalmente os diversos custos de transação sobre os mesmos incidentes. Permite-se, com esta forma de análise, a plena compreensão dos fatores, negociáveis e não negociáveis, que interferem na eficiência de uma transação, aumentando-se, como consequência, a previsibilidade dos riscos e custos a que estão sujeitos os agentes.

Muitos são os que atacam a metodologia proposta por esta escola de interpretação do direito, principalmente por meio da acusação de se deixar de lado os aspectos humanos envolvidos em um determinado fato jurídico. São comuns as afirmações de que os simpatizantes da Law and Economics preocupam-se apenas em quantificar os danos gerados por um determinado agente econômico, com o objetivo de compará-los com os ganhos derivados desta atuação. Assim, se os ganhos excederem aos danos, a eficiência econômica estaria revelada.

Mas os fundamentos da Escola de Chicago (outra designação para o movimento da Law and Economics) não são assim tão simples. Além de se investigar e se quantificar a totalidade dos danos que podem derivar de uma certa atuação, perquire-se se o agente tem o direito de causar tais danos. Não caberia apenas questionar se os ganhos derivados da adoção de uma técnica de produção poluente são suficientes para indenizar os prejudicados. Em uma análise mais completa, questiona-se se o agente tem o direito de causar tal dano, considerando-se todos os fatos sociais envolvidos.

De qualquer forma, a tese proposta por Ronald Coase tem aplicação bastante limitada ao direito brasileiro, especialmente em razão de dois fatores. De um lado parte-se da presunção de uma máxima eficiência estatal na efetivação dos direitos de indenização; de outro, desconsidera-se a assimetria de informação. Os dois fatores devem ser analisados individualmente.
Ronald Coase aplicou seu raciocínio econômico especialmente ao campo da responsabilidade civil. Em seu clássico estudo The Nature of the Firm, publicado em 1937, as teses são desenvolvidas a partir da análise dos danos causados por locomotivas a vapor (especialmente os incêndios causados por fagulhas, em plantações adjacentes às ferrovias). No caso, o autor procurava calcular o provável comportamento dos agentes econômicos a partir do conhecimento que estes tinham quanto aos ganhos e os danos vinculados ao desenvolvimento de suas atividades (ferrovias e plantações). Toda sua lógica, porém, depende de um fator não encontrado no Brasil: a eficiência do Poder Judiciário em impor a reparação dos danos causados.

Para que se possa concluir a respeito da eficiência econômica de uma determinada prática empresarial, deve-se considerar a probabilidade de o agente ser forçado a efetivamente reparar os danos causados. Se ele causa um dano, mas a justiça é lenta e incerta, o dever de indenizar torna-se relativo, fato que altera significativamente qualquer análise quanto à eficiência econômica de uma atividade, e que, em última instância, incentiva a realização de atividades lesivas.

Outro aspecto que reduz a possibilidade de aplicação dos postulados de Coase à realidade brasileira é o impacto da assimetria de informação, tanto no momento da celebração de contratos quanto no da análise judicial dos fatos envolvidos em lides.

A assimetria de informação foi analisada inicialmente por George Akerlof (The Market for “Lemons’: Quality Uncertainty and the Market Mechanism). Existe assimetria de informação quando uma das partes tem conhecimento privilegiado quanto às condições do negócio em relação à outra, e não revela tudo o que sabe.

Para o autor, os mercados somente podem florescer, ainda que de maneira imperfeita, quando há uma hipotética simetria de informação quanto à totalidade das condições negociais, ou quando a assimetria de informação é desconhecida pela parte eventualmente prejudicada (e ainda assim em condições especiais, de realização de negócio único, já que a desvantagem na realização do negócio acabará por ser posteriormente revelada).

Quando há uma assimetria de informação (o que é natural) em que esta situação seja percebida por ambas as partes, a tendência é a da inexistência de mercado. Se o comprador tem ótimas razões para crer que está adquirindo um produto com qualidades inferiores ao anunciado, não sendo o preço suficientemente vantajoso para superar esta desvantagem, não haverá negócio, nem mercado.

De outro lado, partindo da premissa de que a perfeita simetria de informações é utópica, o autor conclui que em todos os mercados haverá um determinado nível de ineficiência. Isto porque o preço justo tenderá a ser reduzido pela natural e justificada desconfiança dos compradores.

Akerlof estuda principalmente os efeitos da assimetria de informação na realização de negócios jurídicos. Mas suas conclusões podem perfeitamente ser aplicadas à atuação estatal de intervenção na economia, bem como aos julgadores, diante das alegações das partes. Em ambos os casos, os agentes econômicos têm uma informação muito mais completa do que a oferecida ao estado legislador ou julgador, o que torna muito menos eficiente sua atuação.

Para bem perceber os efeitos materiais da assimetria de informação, é conveniente analisar um caso apresentado por Tim Harford (O Economista Clandestino).

O autor conta que, em 1990, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos adotou medidas visando à redução da emissão de enxofre pelas usinas termoelétricas. Aos agentes poluidores foram impostas quotas de emissão do poluente, que somente poderiam ser superadas se fosse paga uma taxa, na forma de aquisição de créditos de emissão de enxofre.

Os agentes econômicos protestaram fortemente, alegando que os custos de implantação de filtros seriam elevadíssimos. De acordo com as informações prestadas pelos agentes econômicos, estimava-se que o custo de redução, em uma tonelada, da emissão de dióxido de enxofre, custaria de US$ 250,00 a US$ 700,00. Em determinadas situações, poderia chegar a US$ 1.500,00. Se os custos fossem estes, o valor para a aquisição dos créditos para a emissão de poluentes deveria ser proporcional, para que houvesse uma vantagem econômica em sua aquisição.

Embora os agentes econômicos protestassem ferozmente contra a adoção das novas políticas, elas foram implementadas. E, quando foram feitos os primeiro leilões de créditos de emissão de enxofre, percebeu-se que os custos para a adoção de tecnologias mais limpas eram muito menores do que os alardeados pelos lobistas. Pouco tempo depois, o crédito para a emissão de uma tonelada de enxofre custava US$ 70,00. E, mesmo assim, os agentes econômicos não os adquiriam, o que revela que as tecnologias de redução na emissão deste poluente eram muito mais baratas do que os US$ 70,00 por tonelada.

O autor ainda relata que os principias adquirentes dos créditos de enxofre eram ONGs ambientalistas. Os empresários, após todos os seus protestos e todas as alegações de que os custos para redução da emissão do poluente seriam elevadíssimos, seguiram seu caminho, instalando filtros e adotando outras medidas mais baratas do que os US$ 70,00 por tonelada.

Da análise deste caso percebe-se que as informações disponibilizadas pelos agentes econômicos não são necessariamente verdadeiras. Não somente pela adoção de uma premissa infantil de que todos os agentes econômicos são mentirosos, mas sim, e principalmente, pela assimetria de informação que naturalmente ocorrerá quando um especialista (o agente econômico) depende da decisão tomada por um agente estatal que eventualmente esbarra em sua atuação, e que pouco ou nada saber sobre a atividade empresarial a ser regulada. Da percepção deste fato decorre a perda da validade de conclusões que possam ser extraídas por meio da análise pura e simples dos custos de transação.

Assim, a grande questão é epistemológica, e não hermenêutica. Não se trata de apenas investigar os custos de transação, mas de se ter uma razoável e improvável certeza de que não há uma assimetria de informação que gere, para além da ineficiência do fato econômico, a injustiça do fato jurídico. Se também considerarmos a demora e a incerteza na prestação jurisdicional em nosso país, perceberemos que a análise proposta por Coase, ainda que recheada de méritos, pode, se aplicada de maneira isolada, produzir resultados e conclusões inadequados ao direito brasileiro.

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