Litígios societários e o sigilo nas arbitragens

Para celebrar os 45 anos da Lei das Sociedades Anônimas (LSA), especialistas do escritório MBA apresentam série de conteúdos especiais sobre o tema. 

 

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou o Edital SDM nº 01/21, submetendo à audiência pública a minuta de resolução que propõe alterações na Instrução CVM nº 480/2009, especificamente para incluir o inciso o XLIV no art. 30 da referida norma.

A medida, resultante de estudo maior com propósito de sugerir alternativas de aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção a investidores e acionistas minoritários, coincide com a orientação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de democratização da informação, tão relevante para a saúde do mercado de capitais.

A alteração cria mais um dever de informação eventual, obrigando o emissor de valores mobiliários registrado na categoria A ao envio à CVM de comunicação sobre demandas societárias em que são discutidos direitos que potencialmente interessam à coletividade dos investidores (Art. 1º do Anexo 30-XLIV da Minuta).

A justificativa para essa novidade, nos termos do Edital, baseia-se no fato de que “os deveres de comunicação hoje existentes não são suficientes para dar aos investidores das companhias abertas visibilidade adequada acerca de demandas envolvendo a companhia investida e que, muitas vezes, envolvem discussões acerca de questões que podem, direta ou indiretamente, envolver direitos caros aos acionistas.”

A discussão – que não é exatamente uma novidade e já foi abordada em outros momentos, inclusive no âmbito da própria autarquia (como na Audiência Pública nº 05/2016) – vem causando grande polêmica. Aqueles que contestam tal publicidade justificam seu ponto de vista levando em conta a possível “superinformação” do mercado, a responsabilidade pela seleção das informações que se tornarão públicas e a pressão que pode ser criada sob os árbitros.

A OCDE apurou a predominância da solução arbitral nas disputas relacionadas ao mercado de capitais brasileiro. A confidencialidade nas arbitragens não decorre da Lei, mas é conceito consolidado pela prática, decorrente das cláusulas compromissórias e dos regulamentos das Câmaras de Arbitragens. É ela – junto da especialização do tribunal arbitral e da suposta celeridade dos procedimentos – uma das vantagens atribuídas à arbitragem. O sigilo do procedimento arbitral, no entanto, vai de encontro com a publicidade dos litígios societários e tem se mostrado um obstáculo para a transparência do mercado de capitais.

A principal justificativa para a divulgação dos litígios societários (inclusive daqueles que estejam sob o manto da confidencialidade) está no aumento da transparência e da informação fornecida aos acionistas/investidores, além da possível modulação do comportamento das Companhias em decorrência dos precedentes, o que possivelmente traria aumento da segurança jurídica e mais higidez ao mercado de capitais.

Há uma expectativa legítima dos investidores de obter informações sobre litígios que envolvam companhias abertas. Essas informações permitem, inclusive, a avaliação, pelo investidor, da existência de interesse direto na ação.

Segundo o Edital, a confidencialidade não pode se sobrepor ou “contrariar dispositivos legais e regulamentares” e “as obrigações de divulgação refletem preocupações centrais do regramento do mercado de capitais e não podem ser afastadas por convenções de arbitragem, regulamentos de câmaras arbitrais ou por qualquer outra convenção”. Muito antes da proposta aqui discutida, a CVM já havia decidido que a obrigação de comunicar ato ou fato relevante se sobrepõe ao dever de sigilo decorrente da arbitragem (Processo CVM RJ 2018/0713).

Os estudos precedentes à elaboração da Minuta identificaram também que a confidencialidade da arbitragem pode trazer dificuldades de engajamento de acionistas em processos nos quais possuam interesse jurídico e, por isso, a medida sugere que dar informação aos investidores permitirá, também, a sua adesão às ações coletivas.

Também se discute sobre eventual duplicidade de canais informativos – já que o item 4.3 do formulário de referência já tem previsão semelhante (Instrução CVM 358). Importante que se observe, porém, que a finalidade da inovação é completamente diferente daquela que trata da divulgação do Fato Relevante. Enquanto a Instrução CVM 358 é pautada pela relevância preponderantemente econômica, a proposta da nova norma de divulgação de informações sobre litígios societários cria um regime próprio de informação com o objetivo de auxiliar na concretização dos direitos do acionista.

A audiência pública recebeu manifestações com importantes sugestões que vão desde a melhoria no texto da Instrução, até a concessão de prazo para que as companhias e as Câmaras de Arbitragem possam se adequar às novas regras. Várias também foram as sugestões para que se suprima a obrigatoriedade de divulgação de propostas de acordo nos litígios societários, restringindo-se a obrigatoriedade para os acordos realmente firmados.

Algumas das sugestões, no entanto, mais parecem uma tentativa de diminuir o alcance da regra, com proposições que passam por restringir o dever da divulgação a determinadas espécies de demandas, delimitando o conceito de demanda societária, criando um rol taxativo que leve em conta a maior relevância e/ou probabilidade de risco – não obstante não nos pareça que esta tenha sido a intenção da redação original do texto. Há ainda propostas que defendem o sensível aumento do prazo (de 3 para 15 dias uteis) para a divulgação das informações, o que pode diminuir a utilidade da informação ao mercado.

Também nos parece ter especial relevância a sugestão – trazida pela Associação de Investidores no Mercado de Capitais (“AMEC”) sobre a divulgação do nome dos árbitros que compõem o Tribunal Arbitral. Segundo a AMEC, “tais informações permitirão além do escrutínio público das decisões, a criação de um repositório de julgados. Possibilitará também aos interessados a realização de uma análise crítica para futuras nomeações ou indicações em processo arbitrais, além de permitir uma melhor avaliação de risco por parte de investidores de determinadas companhias envolvidas em litígios desta natureza”, sem dizer que a publicidade do nome dos árbitros e o conhecimento de suas decisões anteriores pode desestimular decisões motivadas em razões menos nobres.

Em sentido completamente oposto, e sem qualquer justificativa, o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) e o Comitê Brasileiro de Arbitragem (“CBAr”) propuseram que nomes dos árbitros sejam considerados sigilosos e sejam omitidos de quaisquer divulgações relativas a demandas arbitrais.

A questão segue em debate, ainda no âmbito da CVM, e espera-se que a redação final do texto seja suficiente a corrigir a assimetria informacional hoje existente, fortalecendo os mecanismos de private enforcement no mercado de capitais brasileiro.

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