O Direito de Fiscalização dos Sócios nas Sociedades Limitadas

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 5.281/16, de autoria do deputado federal Carlos Bezerra (PMDB-MT), que tem por objeto a alteração do artigo 1.021 do Código Civil, que regula a época em que os sócios das sociedades limitadas podem exercer o seu direito de examinar os livros e documentos da empresa. De acordo com a proposta em trâmite, tal direito passaria a ser exercido pelos sócios a qualquer tempo, não podendo mais o contrato social estipular época específica para a fiscalização, o que poderia tornar complexa a dinâmica de governança de determinadas sociedades.

No tocante aos fundamentos do Projeto de Lei 5.281/16, é inegável que os motivos expostos pelo autor da proposta são legítimos e visam trazer maior segurança aos sócios no acompanhamento do desenvolvimento das atividades sociais. O legislador fundamenta que o acesso a qualquer tempo aos documentos da sociedade se justifica na necessidade de mecanismos de fiscalização rigorosos e eficientes para coibir atos de corrupção, do interesse dos sócios em estar a par da saúde financeira da sociedade investida, da responsabilidade dos sócios pelo desenvolvimento do objeto social e as dívidas assumidas e da vedação da utilização dos bens da sociedade para proveito próprio ou de terceiros.

Embora as fundamentações citadas acima sejam válidas, faz-se necessário analisar os impactos que a alteração proposta causaria na dinâmica da governança das sociedades limitadas, sobretudo aquelas que possuem em seu contrato social a possibilidade de instalação de Conselho Fiscal e/ou que possuem Conselho de Administração e/ou que possuem quantidade expressiva de sócios.

No artigo 1066 do Código Civil admite-se a possibilidade de instalação de Conselho Fiscal em sociedade limitada, desde que haja previsão no contrato social. No artigo 1.609 da mesma lei estão delimitadas algumas das atribuições dos membros do Conselho Fiscal (sem prejuízo de outras que possam estar previstas no contrato social), dentre as quais destacamos o exame, ao menos trimestralmente, dos livros da sociedade e do estado do caixa, e a obrigação de denunciar erros, fraudes ou crimes que descobrirem, sugerindo providências à sociedade. Ou seja, parece claro que, sendo instalado o Conselho Fiscal na sociedade limitada, os sócios delegam ao referido órgão a atribuição de acompanhar periodicamente e fiscalizar as operações sociais, sem prejuízo de os sócios exercerem esta prerrogativa à época da reunião ou assembleia anual, tornando-se desnecessário assegurar aos sócios o acesso irrestrito aos livros e documentos da sociedade a qualquer tempo.

No tocante ao Conselho de Administração, embora o funcionamento de tal órgão nas sociedades limitadas não ocorra da mesma forma que ocorre nas sociedades anônimas (ainda que no contrato social esteja prevista a regência supletiva pela Lei das S.A.), mesmo com as atribuições reduzidas é de sua competência fiscalizar a gestão dos administradores (diretores) e examinar, a qualquer tempo, os livros e documentos da sociedade. Temos, portanto, mais uma situação em que os sócios delegam o seu poder de fiscalização.

Outra situação que deve ser analisada com cautela ocorre nas sociedades limitadas com quantidade significativa de sócios. O próprio Código Civil nos traz uma referência de qual quantidade de sócios poderia ser interpretada como significativa, ao determinar no artigo 1.071, § 1º, que a deliberação em assembleia será obrigatória se o número de sócios for superior a dez. Agora, imaginemos a hipótese em que uma sociedade limitada possua 20 sócios – algo não tão raro, sobretudo nas empresas familiares em que membros de diferentes gerações participam do capital social – qual seria o impacto na governança da empresa se cada um dos sócios decidisse exercer o seu direito de fiscalizar a sociedade na época em que quisesse? Seria exigir, praticamente, que a sociedade estruturasse um departamento de relação com investidores para atender todas as solicitações dos sócios, dada a abrangência dos documentos e informações que a lei lhes permite analisar.

Como conclusão, parece que seria mais razoável por parte do legislador prever algumas limitações ao direito de fiscalização dos sócios das sociedades limitadas, no que diz respeito à época em que tal direito pode ser exercido, sobretudo naquelas que possuem Conselho de Administração e/ou quantidade expressiva de sócios e/ou que preveem no seu contrato social a possibilidade de instalação do Conselho Fiscal, evitando que o desenvolvimento das atividades sociais seja prejudicado em razão do envolvimento que seria exigido dos administradores da sociedade no fornecimento de informações e prestação dos esclarecimentos necessários ao exercício pleno do direito de fiscalização por parte dos sócios.

Gustavo Pires Ribeiro, coordenador da área societária do escritório Marins Bertoldi Sociedade de Advogados.

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