Para modernizar os contratos sociais

A forma de elaborar o contrato social de uma sociedade limitada pouco mudou desde 1919, ano em que esta forma societária foi criada no Brasil. Ainda hoje, o documento deve ser apresentado à Junta Comercial em três vias, impresso em papel branco, somente na face. Suas cláusulas são quase sempre as mesmas, pouco indo além do essencial (qualificação dos sócios, indicação do nome social, da sede, do prazo de duração, do objeto, dos administradores, do capital social e da forma de sua divisão e integralização). Quase nunca é feito por instrumento público.

Durante os quase dois anos em que tive a honra de atuar como Vogal da Junta Comercial do Paraná, pude constatar que algo como três em cada quatro contratos sociais limitavam-se a seguir o modelo de redação proposto pelo DNRC, disponível no seu site.

Alteram-se apenas os nomes dos sócios e administradores, a indicação do objeto, da sede e do capital social. O resto é copiado.
Aqueles que se desta forma constroem o contrato social não o veem como um documento derivado da negociação relativa à distribuição de direitos e obrigações entre às partes, nem de uma bem planejada definição de formas especiais de atuação da sociedade. O documento se limita a uma exigência formal; um papel para assinar.

Nestes casos, pelo menos três efeitos negativos surgem. O primeiro é que os signatários encaminham os contratos sociais para o Registro Empresarial sem conhecer o conteúdo específico das cláusulas a que aderiram. Como o contrato é tomado como simples ato formal de coleta de assinaturas, vale o que o contador fizer constar do documento. O segundo efeito negativo é o desnecessário acúmulo de papel. Quem já foi ao arquivo de uma Junta Comercial sabe do que estou falando. O terceiro é o trânsito do papel, levado fisicamente a diversos órgãos de registro complementar da sociedade.

Deste quadro surge nossa proposta: a formação eletrônica do contrato social, no site das juntas comerciais, por meio da certificação digital das assinaturas dos sócios, seguida da adoção das cláusulas propostas (com explicação clara do significado de cada uma delas), preenchimento de outros dados essenciais (valor do capital social, forma de sua divisão e realização, indicação da sede, dos nomes dos administradores e do prazo de existência) e possibilidade de inclusão de disposições adicionais.

Um processo simples, rápido e seguro. Basta que se invista na criação de um sistema informativo claro e completo, em que ao usuário sejam reveladas as vantagens e desvantagens das cláusulas facultativas, e a correta forma de preenchimento das obrigatórias.

Evidente que, preenchido o contrato eletrônico, seu envio seria feito de forma digital. Nada de imprimir o documento resultante para então encaminhar para a Junta Comercial, tal como hoje ocorre com os requerimentos de empresário individual (preenchidos eletronicamente para então serem impressos em três vias e remetidos fisicamente para receber uma série de carimbos na Junta Comercial).

A adoção desta proposta traria ainda outros efeitos positivos. O primeiro seria uma redução no tempo despendido para a análise dos contratos sociais pelos vogais das juntas comerciais. Não mais se tornaria necessário o exame da redação conferida a cada cláusula contratual, bastando verificar a viabilidade do conjunto de disposições adotadas e daquelas especialmente redigidas. O segundo seria a superação da necessidade de digitalização dos documentos pela Junta Comercial, tarefa complexa na forma como hoje é realizada.

O terceiro seria a possibilidade de controle da identidade dos sócios pelo sistema certificador de suas assinaturas, evitando a criação de sociedades com o nome de pessoas que tiveram documentos extraviados. O quarto seria a facilitação da comunicação entre as juntas comerciais e as receitas estaduais e a Receita Federal, além de outras instâncias administrativas em que o registro da atividade seja obrigatório. O quinto seria a possibilidade de verificação automática do nome empresarial. E muitos outros ainda poderiam ser indicados.

Alguns poderiam dizer que este modelo rompe com a tradição do contratualismo das sociedades limitadas. Convenhamos, contudo, que o contratualismo puro foi afastado pelo Código Civil de 2002, que possibilita a alteração no quadro de sócios ou de administradores sem que se proceda a uma alteração no contrato social.

Contra a adoção do novo modelo pesa apenas a necessidade de alterar alguns dispositivos do Código Civil e da Lei de Registro Empresarial, dificuldade que parece pequena diante dos benefícios que podem ser colhidos.

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