Precisamos repensar o ensino do Direito

Uma análise sobre as mudanças na área do Direito e a adaptação do ensino a esse mercado de trabalho.

O ensino do Direito nos cursos de graduação no Brasil vem sofrendo gradativas mudanças em razão das transformações que a própria sociedade tem vivenciado; mas será que a velocidade dessas mudanças está em conformidade com as exigências do mercado atual?

Uma das principais mudanças que notamos nos últimos anos é o surgimento e proliferação dos cursos de ensino à distância – EAD, possibilitando a grande quantidade de pessoas cursar o ensino superior mesmo residindo em localidades remotas e/ou sem disponibilidade de tempo para ir diariamente ao campus de uma faculdade ou universidade, embora vários deles sejam de qualidade duvidosa e ainda hajam restrições quanto a sua utilização nos cursos de graduação.

Podemos citar, também, a Resolução CNE/CES n. 05, de 17 de dezembro de 2018, que determinou que as formas consensuais de resolução de conflitos passassem a ser obrigatórias nas grades curriculares das escolas de graduação de Direito. A medida em si é louvável, dado que o Brasil possui em 2019 aproximadamente 78,7 milhões de ações judiciais em andamento, segundo a versão mais recente do relatório Justiça em Números, publicado anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça; ou seja, a espantosa proporção de aproximadamente 1 ação judicial para cada 3 habitantes, sendo realmente necessário que os bacharéis de Direito e futuros advogados sejam capacitados, desde a sua primeira formação, a utilizar outros meios de resolução de disputas além do sobrecarregado Poder Judiciário.

No entanto, a realidade do ensino do Direito nos cursos de graduação no Brasil ainda é excessivamente retórica e dogmática, sendo raras as escolas que utilizam de forma consistente e recorrente a resolução de casos práticos como ferramenta de formação dos futuros advogados. Não causa surpresa o fato de que os formandos que conseguem conciliar durante o curso de graduação as atividades acadêmicas com o estágio profissional em escritórios de advocacia, empresas ou entes públicos são geralmente os mais preparados para enfrentar o mercado de trabalho, saindo na frente daqueles que somente se dedicam aos estudos.

Considerando a complexidade que envolve o exercício da advocacia atualmente, onde advogados competem não apenas entre si mas também com máquinas que gradativamente estão realizando tarefas que antes eram desempenhadas por esses profissionais, é oportuno dividirmos a análise do ensino do Direito em dois aspectos: a capacitação do advogado enquanto operador do Direito e enquanto empreendedor – leia-se sócio ou proprietário de escritório de advocacia ou integrante do departamento jurídico de uma empresa.

No tocante ao primeiro aspecto, sobretudo num País de dimensões continentais como o Brasil, é salutar que os cursos de Direito regionalizem a sua grade curricular, ainda que parcialmente, considerando as particularidades de suas respectivas localidades. Não faz qualquer sentido um curso de Direito ofertado em região essencialmente agrícola, como os Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, por exemplo, não ter o Direito Agrário como matéria obrigatória e relevante na formação da grade curricular, da mesma forma que o Direito Digital deveria ser matéria obrigatória nas cidades de maior porte e nas grandes metrópoles, onde o comércio eletrônico possui relevante importância e o uso da internet como ferramenta de oferta e aquisição de produtos e serviços já é prática consolidada no desenvolvimento das atividades empresariais.

A medida sugerida acima estimularia o desenvolvimento e aprimoramento dos cursos de Direito ofertados fora dos grandes centros urbanos, assim como viabilizaria o surgimento de cursos direcionados ao atendimento de demandas específicas do mercado.

Outra questão relevante brevemente mencionada acima e que requer maior reflexão é a dinâmica de ensino do Direito nas salas de aula. Num mundo em que as pessoas estão sofrendo de hiperconectividade, sobretudo as novas gerações, e que as interações humanas (ou quase isso) são cada vez mais instantâneas, sentar-se numa cadeira escolar para ouvir um professor falar por horas sobre determinado tema é uma tarefa das mais árduas.

Assim, faz cada vez mais sentido que seja adotado em larga escala no Brasil o modelo de ensino jurídico norte-americano, que se apoia essencialmente no estudo e resolução de casos práticos para o ensino das matérias de Direito positivo. Deve-se frisar que já existem algumas poucas escolas de Direito no Brasil que se utilizam de tal modelo no curso de graduação, mas infelizmente ainda são uma pequena minoria.

No tocante ao segundo aspecto citado acima, a falha na capacitação do estudante de Direito para o futuro exercício da advocacia é sensivelmente mais grave, uma vez que no curso de graduação não são ministradas quaisquer matérias que são essenciais para a administração de um escritório de advocacia ou a gestão do departamento jurídico de uma empresa.

Seria de grande valia possibilitar aos bacharéis em Direito, durante o curso de graduação, obter ao menos noções básicas de contabilidade, administração de empresas, negociação e gestão de pessoas, matérias essenciais para qualquer profissional liberal que pretenda empreender ou estar inserido no contexto empresarial, não fugindo o advogado à regra.

O que verificamos atualmente é que o bacharel em Direito recém-formado ingressa no mercado de trabalho sem estar capacitado para gerir um negócio, por menor que este possa ser, justamente em razão de não ter recebido no curso de graduação o mínimo de formação em matérias não jurídicas fundamentais para a atividade empresarial.

Ainda que estejamos tratando de um profissional que integra o departamento jurídico de uma empresa, é fundamental que este tenha alguma familiaridade com as matérias já citadas para poder contribuir de forma efetiva com as atividades de seu empregador.

Na realidade o que temos visto é que o exercício da advocacia está mudando radicalmente e o ensino do Direito não está sendo atualizado na mesma velocidade. Já temos no exterior escritórios de advocacia que são totalmente on-line, e podemos afirmar com tranquilidade que a utilização da tecnologia no desempenho de atividades jurídicas é um processo irreversível.

Nesse sentido, parece-nos essencial que os cursos de graduação em Direito passem a ofertar aos seus alunos, o quanto antes, matérias optativas relacionadas, por exemplo, ao desenvolvimento de programas de computadores, sites e plataformas tecnológicas.

Desde o advento da internet, o acesso à legislação, doutrina e jurisprudência está disponível a qualquer pessoa, de tal modo que o antigo “monopólio” dos advogados na utilização de tais informações não existe mais e os valores praticados para a elaboração de instrumentos contratuais e peças processuais estão reduzindo sensivelmente, sobretudo as criações intelectuais que podem ser padronizadas e ofertadas eletronicamente.

Não é exagero ou devaneio imaginarmos que no futuro (não muito distante) o maior concorrente dos advogados serão os meios eletrônicos de oferta de serviços jurídicos, sejam estes criados e/ou alimentados por advogados ou não, apesar dos esforços que entes como a Ordem dos Advogados do Brasil envidarão para retardar esse processo.

Nesse contexto, independentemente de o advogado ser especialista ou generalista, é necessário que o curso de Direito o capacite de forma adequada a enfrentar os importantes desafios e crescentes exigências do mercado de trabalho atual, sob pena de termos de fato, como profetizam alguns pessimistas, a futura extinção de uma profissão (ou de maior parte dela).

Gustavo Pires Ribeiro do escritório Marins Bertoldi Advogados.

Fonte: JOTA.

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