Regime de casamento e suas possíveis implicações societárias

O divórcio de Harold Hamm, CEO e acionista majoritário de uma empresa multibilionária de petróleo e gás em Oklahoma, ganhou destaque nos noticiários norte-americanos e no mundo todo, especialmente pelo alto valor envolvido decorrente de sua condição perante a empresa e pelas possíveis consequências do litígio frente à companhia.

Além do fato de o divórcio estar sendo considerado como o possível “mais caro” da história da justiça norte-americana, o fim do relacionamento chama a atenção dos empresários do mundo todo para as possíveis consequências, não para o casal, mas sim para a empresa, cujo valor estimado é superior a US$ 30 bilhões.

Por sua vez, a companhia, pessoa jurídica que não deveria se vincular às relações pessoais de seus acionistas, corre o risco de ter em seu quadro de acionistas pessoa estranha à relação societária inicialmente criada, com todas as consequências advindas dessa condição, inclusive eventual apuração de haveres e liquidação de ações, cujo montante poderá considerar a valorização da empresa durante o período do casamento.

Não é de hoje que ações de divórcio são motivos de preocupação nas grandes empresas, cujo principal objetivo é garantir o melhor caminho para a sociedade. Da mesma forma, núcleos familiares com elevada capacidade financeira costumam buscar mecanismos para minimizar os riscos de dilapidação do patrimônio familiar em consequência de eventual fim do relacionamento conjugal ou sucessão causa mortis .

Nesse contexto, é prática cada vez mais comum a estipulação de regras prevendo que os diretores e acionistas optem por um regime de bens adequado a proteger os interesses da empresa, em especial para evitar a comunicação de ações e direitos acionários em caso de separação ou de falecimento.

No direito brasileiro, o Código Civil prevê expressamente quatro regimes de bens distintos, de modo que os noivos podem optar pelo modelo mais adequado à sua situação econômica e de sua família: (i) comunhão parcial, (ii) separação de bens (convencional ou obrigatória), (iii) comunhão universal e (iv) participação final nos aquestos.

Vejamos: na comunhão parcial comunicam-se somente os bens adquiridos após o casamento, sendo este o regime aplicado a quem pactua ou tem declarada união estável, salvo disposição expressa em contrário; no regime de separação de bens, que vem sendo muito utilizado especialmente pelos empresários, não há comunicação de bens entre os cônjuges; pelo regime de comunhão universal, todos os bens existentes antes e adquiridos após o casamento são comunicados entre os cônjuges, incluindo os recebidos por herança, salvo cláusula expressa de incomunicabilidade; na participação final nos aquestos cada um possui seu patrimônio individualmente considerado, mas em caso de separação cada cônjuge terá direito a metade dos bens adquiridos a título oneroso durante o casamento.

Note-se que nos tribunais brasileiros ainda existem discussões sobre a divisão dos bens nos casos de separação e falecimento. Por exemplo, discute-se a aplicação da Súmula 377 do STF, que determina que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento”, questionando se é necessário comprovar “esforço comum” para requerer a divisão. Além disso, as particularidades de cada regime no momento da sucessão, inclusive para os casos envolvendo união estável, continuam gerando muitas dúvidas no momento da partilha.

Por outro lado, apesar de o Código Civil prever unicamente os quatros regimes de bens mencionados, é perfeitamente possível que os interessados estipulem, por meio do pacto antenupcial, um regime especial. Por exemplo, podem estipular a não comunicação de determinados bens (incluindo ações) ou, ainda, frutos de determinados bens particulares que cada cônjuge possuía antes do casamento, ou bens que recebam por herança ou doação, entre outras peculiaridades.

O momento de instituir o pacto antenupcial ocorre logo no início do processo de habilitação para o casamento; nesta ocasião os noivos são questionados sobre a escolha do regime e, não comunicando expressamente a intenção, entende o juiz que não haverá celebração do pacto.

Vale lembrar que, mesmo após realizado o casamento ou a união estável, ainda é possível alterar o regime de bens conforme interesse e planejamento dos cônjuges. Assim, por meio de requerimento feito em juízo e assinado pelos interessados, desde que a alteração não traga prejuízo aos direitos de terceiros, poderá o pedido ser homologado judicialmente.

Evidente que o momento ideal para escolher as regras para divisão dos bens, tanto para o caso de separação quanto de falecimento, é antes do casamento, afinal, é mais difícil ter consenso em um momento de tensão, que costuma ser rodeado de discussão e sem espaço para um acordo amigável; ou alguém acha que a senhora Hamm não vai “brigar” para receber a sua parcela dos bens?

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