Riscos jurídicos e eficiência econômica

Vamos imaginar que todo empreendimento fosse precedido de um estudo de mercado. Esta análise levaria em conta os preços que o empresário poderia praticar e a capacidade de compra do público consumidor. Se a conclusão fosse a de que os consumidores teriam interesse em pagar o preço projetado pelo produto ou serviço oferecido, a atividade empresarial seria economicamente viável.

Nem sempre é fácil definir previamente o comportamento do público consumidor, especialmente quando se trata de um produto ou serviço novo. Aqui, a análise do potencial empreendedor fica restrita às suposições (sempre infladas pelo otimismo que naturalmente envolve aquele que planeja criar uma empresa). Erros acontecerão, e de forma justificada. Mas a outra atividade envolvida no estudo de mercado (identificação dos preços que serão praticados) não pode se fundar em meras suposições. Errar neste ponto é injustificável, e as consequências não são nada agradáveis.

A precificação de um produto ou serviço começa pela óbvia identificação dos custos envolvidos. Custos são as despesas que certamente estarão envolvidas na fabricação do produto ou oferta do serviço. Devem ser considerados não somente custos com insumos diretos, como também os derivados da locação do imóvel, do desgaste de equipamentos, do consumo de energia, do pagamento de funcionários, do recolhimento de tributos e de vários outros fatores.

Mas a definição de preços não pode levar em conta apenas a cobertura dos custos envolvidos. O empreendedor também deve incluir em seus cálculos os riscos vinculados à exploração das atividades. Trata-se de uma atividade complexa. Complexa e essencial, já que a prévia definição dos riscos é um dos elementos mais importantes na definição da margem de lucros que será praticada.

Riscos sempre estão presentes em atividades empresariais. O que varia é a sua dimensão. Em atividades com baixa composição de riscos, a margem de lucros poderá ser baixa. Já se os riscos forem altos, a margem de lucros deverá ser proporcionalmente elevada. Este raciocínio é fruto da lógica básica que orienta os investidores: seus ganhos devem compensar os riscos assumidos. Nas aplicações bancárias, as cadernetas de poupança são a opção mais segura, mas os parcos ganhos as colocam em uma das piores posições no ranking dos investimentos. Na outra ponta, as aquisições de ações, assim como as participações em fundos acionários, geram invejáveis retornos em períodos de bonança econômica; contudo, os investidores correm o risco de perder todo o valor aplicado se sobrevier algum abalo no mercado financeiro (o que é sempre uma possibilidade concreta, mesmo nas economias mais fortes).

Este raciocínio também se aplica às atividades empresariais. Os lucros projetados pelos empreendedores devem compensar os investimentos feitos, o trabalho desenvolvido, e também os riscos assumidos.

Há dois grupos principais de riscos a serem estudados. Há os riscos negociais e os riscos jurídicos. No estudo dos riscos negociais, considera-se, por exemplo, a possibilidade de surgir um concorrente mais eficiente, ou a de uma substituição por importações de baixo custo. Normalmente, quando se consideram os riscos negociais, projetam-se perdas proporcionais aos investimentos realizados na atividade empresarial.

Já no campo dos riscos jurídicos, considera-se o impacto de normas que impõem responsabilidades pessoais aos empreendedores, para além dos riscos negociais. As perdas projetadas, aqui, podem extrapolar a simples perda do investimento realizado, podendo atingir os patrimônios pessoais de sócios e administradores.

Quando o ordenamento jurídico de um país eleva injustificadamente os riscos impostos aos empreendedores, haverá uma tendência de elevação nos preços dos produtos e serviços oferecidos àquele mercado. E esta elevação no padrão de preços gera efeitos econômicos essencialmente negativos. De duas, uma: ou os riscos são agregados ao preço e o poder de compra dos salários é corroído, ou o empreendedor verifica que os riscos não podem ser incorporados no preço, e simplesmente deixa de desenvolver a atividade econômica. Nos dois casos, o principal prejudicado é o cidadão comum, que terá menor oferta de empregos e menor poder de compra.

Considerando-se todos os efeitos, pode-se concluir que um padrão exagerado de riscos jurídico leva à ineficiência econômica. E a análise deste fenômeno permite compreender porque certos países, como o Chile, colhem taxas de desenvolvimento econômico e social muito maiores do que outros, como infelizmente é o caso do Brasil.

Se compararmos diferentes países em uma determinada região, perceberemos que, para cada atividade econômica, há uma tendência de os riscos negociais serem parecidos. Mas os riscos jurídicos variam de país para país. Assim, quando estudamos a viabilidade econômica de um empreendimento (por exemplo, um supermercado) numa cidade de médio porte no Chile, os riscos negociais serão parecidos com aqueles que encontraríamos se o estudo focasse em uma cidade brasileira de mesmo porte. Já os riscos jurídicos variam, e muito.

Em nosso país, os riscos jurídicos são mais elevados do que os verificados em outros países em desenvolvimento principalmente quanto aos seguintes aspectos:

a) ainda não entendemos que a desconsideração da personalidade jurídica é a exceção, e não a regra. Aqui, ao contrário de outros países, as dívidas assumidas em nome de uma sociedade limitada serão, no final das contas, pagas pelos sócios e administradores, mesmo que a insolvência da sociedade não tenha derivado de fraude;

b) os contratos tornaram-se uma mera declaração de intenções, que podem ser revistas e adequadas ao senso de justiça social que orientar o julgador a quem a ação revisional for distribuída. Esta tendência abala a segurança jurídica, sem a qual não é possível empreender com vistas ao longo prazo;

c) a cobrança de créditos é uma empreitada árdua e poucas vezes bem sucedida, o que faz aumentar os custos de acesso ao crédito;

d) adquirir um estabelecimento empresarial é praticar um ato presumidamente fraudulento, em que o adquirente pode vir a perder o estabelecimento mesmo que tenha agido na mais estrita boa-fé. Os riscos envolvidos nesta operação são tão elevados que os empreendedores que os conhecerem dificilmente irão concretizar uma compra de estabelecimento, o que afeta o princípio da preservação da empresa;

e) o senso comum de aplicação de certos princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, consagra um senso de justiça ao estilo de Robin Hood, o que também afeta a segurança jurídica e mina o ambiente empreendedor;

f) condenações trabalhistas podem atingir cifras elevadíssimas, e serão cobradas de qualquer pessoa diretamente ou indiretamente relacionada com a empresa. Em muitas ocasiões, tolhe-se a geração de empregos por meio da aplicação de uma lógica de justiça simplista, que não considera o mundo extra autos.

Além destas situações, muitas outras poderiam ainda, infelizmente, ser citadas. Daria para cobrir todo o caderno Direito e Justiça com exemplos desanimadores.

A eficiência econômica depende da promoção de um ambiente negocial favorável ao empreendedorismo. Para tanto, é necessário que o Estado crie um ordenamento jurídico que mantenha em um patamar razoável os custos e riscos impostos aos empresários. A superação deste patamar significa uma maior dificuldade à abertura de novos mercados.

No Brasil, a regulação do direito empresarial coloca em segundo plano os interesses dos empreendedores. Em decorrência de uma ultrapassada leitura do significado do princípio da função social do direito, somada a limitação técnica de compreensão dos fenômenos jurídicos e econômicos, encontramos um conjunto de normas e decisões judiciais que potencializam os riscos impostos aos empreendedores de tal forma que grande parte do potencial empreendedorismo brasileiro não consegue sair dos projetos para a vida.

Cria-se, desta forma, um indesejado diferencial negativo para o ambiente empresarial brasileiro, que em nada colabora para as tentativas de mover o país para um papel mais digno no cenário econômico internacional.

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