Títulos de estabelecimento – 37 anos sem proteção jurídica

Desde 1971, o direito brasileiro não conta com um mecanismo eficiente de proteção aos títulos de estabelecimento, fato que gera uma desnecessária insegurança a empresários e aumenta os custos de transação no desenvolvimento de sua atividade econômica.

É voz comum entre os estudiosos que o desenvolvimento econômico de um país depende do respeito aos direitos de propriedade. O economista peruano Hernando de Soto afirma que a falta de reconhecimento formal da propriedade (em seus estudos, o economista cuida apenas da propriedade imobiliária) seria o fator essencial a explicar o subdesenvolvimento de alguns países em comparação com os mais bem sucedidos. Exageros à parte, o fato é que os investimentos dependem de um ambiente jurídico de proteção à propriedade; respeitada, é claro, a sua função social.

No mundo empresarial, há alguns bens intangíveis de grande relevância econômica, e que merecem uma eficiente tutela jurídica. Entre eles se destacam os direitos de propriedade industrial. Ao não se garantir a utilização econômica exclusiva de marcas, invenções, desenhos industriais e modelos de utilidade, cria-se um ambiente desfavorável à inovação tecnológica, o que atrasa severamente o desenvolvimento econômico do país.

Além da propriedade industrial, há vários outros campos em que a proteção jurídica se faz necessária. Em quase todos, encontra-se no Brasil uma normatização adequada (sem adentrar no debate relativo à efetividade de sua aplicação). Mas, no que toca aos títulos de estabelecimento, há necessidade de uma urgente solução para uma injustificável lacuna normativa.

Para bem compreender a questão, devemos lembrar que um empresário pode se utilizar de três elementos de identificação no exercício de sua atividade: nome empresarial, marca e título de estabelecimento.

O nome empresarial é o elemento de identificação do empresário. Pode se estruturar como firma individual, firma social ou denominação. Sua proteção decorre do registro do ato constitutivo do empresário na Junta Comercial. Este registro garante o direito de exclusividade na utilização do nome no Estado em que se deu a constituição. É possível a extensão da proteção a outras unidades da Federação, com ou sem a constituição de filiais. Daí porque somente pode ser pretendido o registro de nome que esteja liberado no cadastro mantido pela Junta Comercial. Trata-se de um sistema eficiente, que evita a utilização de nomes colidentes logo de início, o que reduz significativamente a possibilidade de confusão frente a credores e consumidores.

As marcas são o sinal distintivo do produto ou serviço fornecido pelo empresário. Sua proteção decorre do registro junto ao INPI. Este ato tem natureza constitutiva. Para que o titular da marca autorize a sua exploração por outro empresário, ou para que se proceda à cessão do direito de propriedade industrial em caráter definitivo, deve-se buscar o INPI para que se proceda à averbação da operação. Àquele que em cujo nome o direito de propriedade industrial esteja registrado garante-se a utilização econômica exclusiva do bem. O amplo conhecimento quanto à sistemática básica de proteção das marcas garante uma razoável eficiência do direito também quanto à proteção deste segundo sinal distintivo.

Já o terceiro sinal distintivo o título de estabelecimento é o elemento de identificação do estabelecimento explorado pelo empresário. Trata-se do sinal imediatamente percebido pelos consumidores (que normalmente desconhecem o nome empresarial daquele que explora o estabelecimento), e que está estampado na fachada da loja, do restaurante ou da imobiliária mantida por um empresário. Empresário que tem um nome registrado na Junta Comercial e que talvez tenha uma marca registrada no INPI.

Antes da edição do Código da Propriedade Industrial de 1971, os títulos de estabelecimento podiam ser registrados no INPI. Mas o art. 199 desta lei (que foi substituída posteriormente por outra legislação protetiva da propriedade industrial) afastou deste órgão administrativo, e do próprio Código da Propriedade Industrial, a proteção aos títulos de estabelecimento e aos nomes empresariais (então designados de nomes comerciais).

Os nomes comerciais continuaram a ser protegidos pelo Decreto 916, de 1890 (que vigorou até a edição do Código Civil de 2002), tendo-se ainda legado ao Departamento Nacional de Registro do Comércio a organização da atividade de registro. Mas, em relação aos títulos de estabelecimento, não havia legislação anterior que os tutelasse, e não se encarregou nenhum órgão de cuidar diretamente de sua proteção.

Desde então (e lá se vão 37 anos de inércia), a proteção jurídica aos títulos de estabelecimento ocorre apenas de forma indireta, por meio da invocação de preceitos referentes à concorrência desleal. Se um empresário se vê prejudicado pela indevida utilização de título de estabelecimento igual ou muito parecido com o seu, o caminho judicial para a solução do impasse seria a propositura de ação fundada no desvio ilícito de clientela. Nesta ação, deverá o autor demonstrar que foi o criador do título de estabelecimento, bem como que o demandado está fraudulentamente buscando confundir a clientela por meio da utilização de um título de estabelecimento igual ou muito parecido com o seu.

A prova é evidentemente difícil. Não há um registro que demonstre quem foi o criador do título. Mesmo que se consiga comprovar quem o criou, não é nada fácil demonstrar a intenção do demandado. Deve-se ainda considerar a possibilidade de ter ocorrido uma simples coincidência. Por fim, é muito complexa a demonstração do desvio de clientela, principalmente quando há um público de varejo, vasto e disperso.

A principal consequência deste quadro jurídico é de fácil percepção. Imagine-se um empresário que esteja sendo efetivamente prejudicado por um concorrente que, armado da mais pura má-fé, tenta desviar clientela por meio da confusão entre títulos de estabelecimento. Para que este empresário obtenha a justa proteção jurídica daquilo que é seu, terá que enfrentar um árduo, incerto e caro caminho processual. Não será qualquer advogado que apresentará condições técnicas para defender seus interesses. Não será qualquer juiz que terá conhecimento sobre as especificidades empresariais envolvidas na lide. Não será fácil a prova dos fatos que qualificam a concorrência desleal. Enfim, na linguagem de Ronald Coase, os custos de transação para a garantia deste evidente direito do empresário serão elevados, acarretando ineficiência econômica (especialmente a se considerar que custos e riscos serão repassados ao preço final dos produtos ou serviços oferecidos ao mercado, fato que corrói o poder de compra dos salários).

Para tentar sanar este problema, os advogados têm buscado duas alternativas, ambas ineficientes. A primeira, e mais comum, é a inclusão no contrato social de uma cláusula com a indicação do “nome fantasia” utilizado pela sociedade. A providência não gera os efeitos pretendidos, na medida em que as Juntas Comerciais não têm um cadastro de tais “nomes fantasia”, o que possibilita o arquivamento qualquer que tenha sido o título de estabelecimento indicado no contrato. Mesmo que o título referido seja notório, não há fundamento para se impedir o arquivamento, até mesmo em vista da possibilidade de o empresário vir a agir como franqueado do efetivo titular deste sinal de identificação.

Outro caminho que é buscado para contornar a falta de proteção legal aos títulos de estabelecimento é o registro do mesmo como se fosse marca, junto ao INPI. Esta providência pode até ajudar em alguns casos. Mas, além de ser tecnicamente incorreta, devemos lembrar que muitas vezes não há um produto com marca própria que esteja sendo explorado pelo empresário.

Neste quadro, a única solução eficiente é a pressão da academia e dos advogados para que o Poder Legislativo supra a lacuna legal e crie um sistema protetivo dos títulos de estabelecimento, seguindo o exemplo de tantos outros países que há muitas décadas têm solucionada esta questão. Mas legislar não tem sido a ocupação mais vista no Poder Legislativo…

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