Uma nova economia não significa o resgate de teses econômicas ultrapassadas

O pouco debate até o momento produzido no Brasil a respeito da crise que assola o mundo tem apresentado poucos resultados produtivos. Em meio a algumas boas ideias a respeito dos novos caminhos a serem trilhados, temos encontrado muitas teses econômicas historicamente ultrapassadas sendo novamente trazidas à tona. Apregoa-se o fim da economia de mercado. Mas, sem a liberdade de concorrência característica deste sistema econômico, não se pode fazer mais do que piorar as perspectivas para o nosso futuro.

Concorrência significa competição. Na competição, os melhores são premiados. Os prêmios estimulam a busca pela eficiência. E a busca pela eficiência não só melhora a qualidade de vida das pessoas. Ela permite a sobrevivência em uma era marcada pelos desafios energéticos, ambientais e nutricionais.

A alternativa histórica ao sistema de livre concorrência materializou-se nas economias centralizadas. Todas naufragaram por razões entre as quais se destaca a ineficiência econômica. Em um sistema econômico em que os agentes econômicos não são pressionados pela competição, produz-se mal, produz-se pouco e produz-se caro.

Em 9 de novembro de 1989 foi derrubado o muro de Berlim. Com ele se foram os sonhos de muitos românticos no Ocidente. Onde vislumbrávamos uma sociedade igualitária e digna abriu-se a realidade de povos sofridos e igualmente pobres (com a evidente exceção das classes dirigentes). Faltavam alimentos. Faltavam empregos. Faltava conforto. Faltava confiança na alternativa socialista.

O que se percebeu de forma clara é que o Estado não tinha mais condições de impor uma economia centralizada. Percebeu-se que a tese de Marx estava historicamente superada. Não porque estivesse errada. Os tempos é que mudaram.

Em meados do século XIX, quando foi editado o Manifesto Comunista e, posteriormente, o monumental O Capital, a ordem econômica estava fundada nas atividades industriais intensivas em mão de obra, pouco dependentes de tecnologia e dominadas por uma classe que não conquistou sua privilegiada posição como consequência de seus méritos pessoais. Os capitalistas auferiam seus lucros simplesmente porque tinham recursos suficientes para montar as pesadas fábricas, e lotá-las com trabalhadores, que geravam riqueza a partir de seus braços. A eficiência econômica era uma consequência da escala com que se desenvolvia a atividade econômica. Para implementá-la, bastava ter dinheiro, para então ganhar muito mais dinheiro por meio da apropriação da mais valia (definida por Marx como a produção excedente do trabalhador, na forma do trabalho desenvolvido após a cobertura dos custos com os seus salários).

Esta era uma situação claramente injusta, especialmente porque a posição privilegiada da classe burguesa não derivava de sua competência pessoal, mas sim de sua origem, usualmente vinculada à nobreza. A solução ao problema social daí decorrente parecia óbvia. Considerando que a organização da atividade econômica não dependia de domínio de novas tecnologias, mas sim da atribuição de tarefas à massa trabalhadora, bem como que era socialmente ilegítima a posição de domínio (e a retenção dos resultados) por parte dos burgueses, ganharam força as teses fundadas na apropriação estatal dos meios de produção, afastando a burguesia de sua privilegiada posição, para, ao final, proceder a uma justa distribuição de toda a riqueza criada no Estado.

Deste raciocínio econômico nasceram os sonhos pela estruturação de sociedades igualitárias. Sonhos que se materializaram nos estados além da cortina de ferro.

Ainda que se deva questionar fortemente a maneira como transcorreu a implantação de tais estados, especialmente na União Soviética (não houve propriamente uma revolução social, fundada no senso de fraternidade, mas uma violenta dominação militar), nas primeiras décadas no novo regime os resultados econômicos foram evidentes. Estados agrários se transformaram em potências econômicas, que foram capazes de fazer frente a Hitler e de lançar o homem ao espaço, entre outras importantes conquistas.

A partir da década de 1950, contudo, os resultados deixaram de ser motivo de comemoração. Mesmo que parcialmente ocultada por uma pesadíssima propaganda governamental, a pobreza alastrou-se. Aos poucos a centralização econômica não se mostrou eficiente nem mesmo para colocar comida na mesa dos cidadãos. Basta relembrar a triste história pela qual passaram os chineses durante a década de 1970. Sob a mão pesada Mao Tsé Tung, 30 milhões morreram de fome.

Percebeu-se então o óbvio. A economia não era mais movida pelas engrenagens estudadas por Marx. Indústrias meramente intensivas em mão de obra não mais eram capazes de competir. A eficiência econômica não era mais fruto da maximização do trabalho, mas sim da intensificação de tecnologia. Tecnologia que, hoje, produz cerca de 80% da riqueza do mundo. Tecnologia que as economias centralizadas não eram capazes de produzir por uma questão simples: falta de competição.

Enfim, a riqueza não era mais produzida por braços, mas sim por cérebros motivados. Até que o muro fosse derrubado, os estados soviéticos tinham braços e cérebros. Mas não havia a motivação.

Resgatar estas teses seria esquecer um século de história. É evidente que a ordem econômica deve ter seus rumos corrigidos. Mas isto não significa voltar ao século XIX.

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