A executividade dos contratos eletrônicos

O crescimento do número de negócios celebrados eletronicamente, que já era uma tendência natural no mundo todo, acabou se acentuando em virtude da decretação da pandemia no novo coronavírus, consequência da necessária prática do distanciamento social.

Assim como as reuniões para discussão dos termos do negócio começaram a ser realizadas através de videochamadas, a celebração dos contratos por meios eletrônicos passou a ser mais utilizada.

Diante disto, muitas discussões têm surgido acerca da executividade destes contratos, especialmente em razão da confiabilidade atribuída aos tipos de assinaturas neles apostas.

É importante destacar, inicialmente, que um contrato não pode ser firmado de forma híbrida, ou seja, com a assinatura física de uma das partes e eletrônica da outra. Assim, todos os envolvidos na celebração do contrato, inclusive as testemunhas, devem assiná-lo da mesma forma, física ou eletronicamente.

Em termos gerais, existem dois tipos de assinaturas comumente utilizados na celebração de contratos eletrônicos, quais sejam: (i) a assinatura eletrônica – sem a utilização de certificado digital –, que coleta evidências para comprovar sua autoria, tais como a grafia do signatário (caneta touch, mouse, imagem digitalizada), o IP do equipamento e sua geolocalização, ou, ainda, as informações pessoais cadastradas na plataforma de assinaturas online utilizada pelas partes; e (ii) a assinatura digital – com a utilização de certificado digital –, criada a partir da implementação de criptografia assimétrica de chaves públicas junto à uma entidade certificadora credenciada à ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira), instituída pela Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.

Neste sentido, a relação entre assinatura eletrônica e assinatura digital dá-se como gênero e espécie, respectivamente. Isto é, toda assinatura digital é eletrônica, porém nem toda assinatura eletrônica é digital.

A questão da executividade dos contratos firmados eletronicamente aparentava estar pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, que no julgamento do Recurso Especial nº 1495920/DF, decidiu que são exequíveis contratos firmados com certificado digital, ainda que não haja a assinatura de 2 (duas) testemunhas.

Nas palavras do Ministro Relator, a autoridade certificadora (empresa emissora do certificado digital) pode servir como testemunha do contrato, tendo em vista se tratar de um terceiro desinteressado no negócio jurídico celebrado entre as partes contratantes. Isto é, o requisito prescrito pelo artigo 784, III, do Código de Processo Civil – tratar-se de um documento particular assinado pelas partes e por 2 (duas) testemunhas para que  possa ser executado em juízo – não foi desconsiderado, mas apenas suprido em razão de o instrumento ter sido firmado com certificado digital.

Recentemente a matéria voltou à tona, quando o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível nº 1003531-41.2019.8.26.0510, decidiu que um contrato firmado com assinatura eletrônica – sem a utilização de certificado digital – não poderia ser executado por não conter a assinatura de 2 (duas) testemunhas. Neste caso, restaria à parte interessada exercer o seu direito somente através de uma ação de conhecimento (mais extensa), sem lhe conferir a celeridade comumente trazida pelo processo de execução.

É necessário esclarecer que a ICP-Brasil valida e credencia apenas as entidades certificadoras, ou seja, aquelas empresas que emitem certificados digitais, e não as plataformas de assinatura eletrônica, que não exigem, necessariamente, a utilização de certificados digitais para celebração dos contratos.

Isto significa dizer que, contratos assinados com a utilização de certificado digital por ambas as partes podem ser considerados títulos executivos extrajudiciais, pois a assinatura das 2 (duas) testemunhas estaria suprida pela empresa certificadora. Já os contratos assinados de forma eletrônica simples – sem a utilização de certificado digital –, necessariamente precisarão da assinatura de 2 (duas) testemunhas, também por via eletrônica, para serem executáveis.

Diante de todo o exposto, percebe-se que o uso de meios eletrônicos para celebração de negócios jurídicos ainda é um tema que levanta discussões extremamente relevantes, em que pese tenha seu regramento estabelecido há quase 20 (vinte) anos. Neste sentido, as partes contratantes devem estar sempre atentas, cumprindo não apenas as disposições previstas na legislação sobre o tema, mas também os requisitos trazidos pela jurisprudência, decorrentes da nova realidade que se apresenta, a fim de conferir executividade aos contratos firmados eletronicamente.

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