Aprender com a índia

Minha esperança em um Brasil desenvolvido parecia nocauteada. Como tantos, cansei da exploração da ignorância popular pelos distribuidores de lotes de contratos administrativos. Cansei de corrupção abafada. Cansei das justificativas estapafúrdias. Cansei da comemoração por um crescimento meramente inercial. Cansei de uma política assistencialista que parece nos condenar à miséria votante. Deparei, então, com o exemplo indiano. E recuperei, mais uma vez, a crença em um futuro melhor.

Na última década, a Índia revelou seu lado empreendedor para o mundo, com sucessivas taxas de crescimento perto da casa dos 10% ao ano. O país deixou de ser um exemplo de pobreza conformista para se tornar um dos mais dinâmicos polos econômicos do mundo, estruturado principalmente sobre a prestação internacional de serviços e sobre o desenvolvimento de tecnologia de informação.

Seu sucesso econômico não foi fruto de geração espontânea, mas resultado do trabalho de um grupo de pensadores que, há cerca de 15 anos, estruturaram um projeto de desenvolvimento sustentável para a Índia. Um projeto que, naquela época, estava mais próximo da utopia do que do sonho possível.

Vamos imaginar a dimensão dos problemas por eles enfrentados: em um território equivalente a menos de 40% do brasileiro, vivem 1,2 bilhão de pessoas. Dois terços desta população tenta a sobrevivência com até 2 dólares per capita ao dia, mesmo após uma década de sólido desenvolvimento econômico. Há uma tremenda fragmentação cultural, fruto de 5 mil anos de história. Existem cerca de 850 idiomas e dialetos. Há 22 línguas faladas por mais de um milhão de pessoas. O inglês é dominado por menos de 30% da população. A produção interna de alimentos está muito distante de ser suficiente para o sustento de todos. Há uma cisão religiosa entre hindus e muçulmanos que, desde 1947 (ano da independência e do surgimento do Paquistão), gerou quatro guerras, um milhão de mortes e incontáveis atentados. A divisão em castas, proibida apenas no plano formal, segmenta e desestimula a evolução pessoal. A água, que provém quase totalmente de fontes subterrâneas, é escassa e em grande parte contaminada. Cerca de 30% dos homens e 53% das mulheres são analfabetos. Aliás, há 4 alfabetos diferentes. O país tem o maior contingente de cidadãos soropositivos do mundo, sinal mais evidente de uma precaríssima estrutura de saúde. A infraestrutura nas cidades antigas é rudimentar. Na maior favela de Bombaim, há um banheiro para cada 1.500 moradores. Bombaim que, em 2.020, será a maior cidade do mundo, com 28,5 milhões de habitantes. O trabalho infantil é outra realidade cruel. Estima-se que 10% da força de trabalho indiana seja formada por crianças.

Se esta descrição fosse analisada 15 anos atrás, chegaríamos à conclusão de que se trataria de um país impossível de ser conduzido a um futuro melhor. Mas eles conseguiram. Na última década, tiraram 90 milhões de pessoas da pobreza absoluta. Enquanto isso, nós seguimos reclamando de nosso destino, docemente deitados em nosso berço esplêndido.

Com os recursos naturais mais exuberantes do planeta, com uma população que não apresenta níveis de pobreza africanos (ou indianos), livre de guerras e catástrofes naturais, com unidade linguística e um caráter marcadamente pacifista, nosso país é o grande agente potencial para o século XXI. Desde que se levante a vá à luta. Desde que paremos de nos queixar de nossa miséria e partamos para a ação. Detalhe: a ação não se limita a lançar planos de conteúdo marqueteiro, como é característico do atual Governo Federal.

Há um elemento evidente de distinção entre o Brasil e a Índia, agora a favor deles: a ética e a técnica de seus governantes. Lá, também há corrupção e populismo, mas em escala muito menor. Lá, o projeto desenvolvido pela sociedade civil foi encampado por um governo que soube ver na economia de mercado uma oportunidade para a elevação dos padrões de vida de sua população. Debaixo desta crença, seus governantes (inicialmente por meio do Partido Bharatiya Janata, substituído em 2004 pelo Partido do Congresso, que teve a sabedoria de escolher para o cargo de primeiro ministro Manmohan Singh, que era ministro da Economia no governo do partido rival), colocaram em prática um plano de ações (que não foi divulgado em cerimônias badaladas) que envolveu, principalmente, os seguintes passos:

a) compreensão de que o mercado da tecnologia de informação era a porta de entrada da Índia para a economia de mercado, somada à percepção de que outros campos da economia devem ser impulsionados, já que o setor de tecnologia, embora tenha sido o grande impulsionador da economia nacional, não tem capacidade de gerar mais do que 2% dos postos de trabalho;

b) forte investimento em educação, para aumentar o número de cidadãos que falam inglês e dominam o conhecimento tecnológico;

c) criação de 28 Zonas Econômicas Especiais, em que empresas nacionais e estrangeiras podem se instalar com total isenção tributária, assim como com a garantia de fornecimento de água e energia elétrica por uma década, e liberdade de negociação com os sindicatos. Enquanto os analistas brasileiros, em geral, criticariam esta política, acusando-a de meio de entrega do país aos interesses econômicos, os indianos perceberam que é muito mais eficiente fomentar agressivamente a instalação de indústrias do que consumir os recursos públicos com políticas de assistência. Cada indiano empregado é um cidadão que deixa de depender do Estado para a sua sobrevivência;

d) há uma forte preocupação com o desenvolvimento de fontes limpas de energia. Somente na Índia pode ser encontrado um Ministério da Energia Não-Convencional;

e) a preocupação com a sustentabilidade não ocorre apenas no plano ambiental. O objetivo final das políticas econômicas não é crescimento do PIB, mas sim a redução da pobreza;

f) investimentos em infraestrutura são considerados prioritários, e estão sendo realizados com fôlego suficiente para construir cidades inteiras, novas, em regiões até então pouco habitadas; e

g) o desenvolvimento tecnológico está focado no mercado interno, de custo baixo. A estratégia é vender mais por menos. Esta é a razão pela qual os carros indianos que ganham as manchetes internacionais são aqueles que custam cerca de 3.000 dólares. Há forte apoio a projetos de fabricação de computadores robustos o suficiente para suportar o calor e as constantes quedas de energia, com preços compatíveis com a realidade econômica do indiano médio.

Projetos como estes existem também para o Brasil. Muitos são os estudiosos de nossa realidade que apresentaram propostas concretas e viáveis. Dentre estas propostas certamente não está a Política de Desenvolvimento Produtivo, lançada pelo Governo Federal semana, com atraso de uns 30 anos e vocação eminentemente publicitária. Seremos um país melhor no dia em que nossos governantes anunciarem resultados, ao invés de planos.

Na essência, o que nos diferencia dos indianos a qualidade dos governantes. Por sorte, trata-se de uma realidade cambiável por meio do voto, ao contrário das secas, das pandemias ou do déficit de alimentos.

É claro que esta revolução pelo voto não será simples, principalmente a se considerar o estrago em nosso sistema eleitoral causado pela política assistencial do governo federal, que premia a pobreza, e não o desenvolvimento pessoal. Mas nenhuma revolução é fácil. Nossas armas são a palavra e a paciência, motivadas pela crença de que os sonhos não seriam sonhos se um dia não pudessem se tornar realidade. Seriam meras ilusões

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