Barreira brasileira à importação de produtos

No último dia 26, o Ministério do Desenvolvimento divulgou a decisão de que exigiria licença prévia para a importação de uma grande quantidade de produtos. Para compreender o alcance material da medida, basta apontar que ela atinge cerca de 72% das importações de produtos chineses. Na prática, trata-se de uma barreira comercial levantada diante da percepção de que a balança comercial brasileira, pela primeira vez desde março de 2001, apresentou um volume de importações superior ao de exportações. Esta decisão, que está sendo tratada pela imprensa especializada como “trapalhada”, “barbeiragem” e outras qualificações nada edificantes, mostra com preocupante clareza como o governo brasileiro trata as questões econômicas centrais nesta época de grave crise.

A primeira triste percepção é a da irresponsabilidade com que se criam normas a respeito de assuntos importantíssimos. Legisla-se sem o menor conhecimento a respeito daquilo que se atinge. O raciocínio que levou à imposição da barreira à importação é surpreendentemente primário. Para o governo, se as importações estão muito altas, basta impedi-las ou dificultá-las ao máximo.

É incrível. Qualquer pessoa que leia as capas dos jornais econômicos tem a clara noção de que a importação de componentes e outros insumos é necessária para a produção de uma série de produtos que serão depois exportados. Já no dia seguinte à divulgação da decisão, a Nokia anunciou o cancelamento da entrega de um lote de equipamentos a um cliente latino-americano, já que dependia da importação de peças, e paralisou parte de sua fábrica em Manaus. Outras empresas dos setores eletroeletrônico e têxtil já externaram suas dificuldades em manter a produção diante de mais esta dificuldade. Ou seja: a restrição às importações significará uma redução também das exportações e, infelizmente, virá acompanhada da inflação derivada do desabastecimento interno.

A segunda lição que se extrai da infeliz decisão do Ministério do Desenvolvimento é que o governo federal está longe de falar uma só língua. A reação imediata à decisão partiu do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que, preocupado com o fechamento das fronteiras, entrou em contato com o Ministério do Desenvolvimento e coordenou algumas restrições à aplicação da medida. Será que eles não conversam antes de tomar as decisões? Vá lá que a conversa se tornou um pouco difícil, já que o ministro do Desenvolvimento estava na Argélia…

A terceira lição é a de que as leis são feitas para os que não podem falar alto. A Anfavea foi a Brasília imediatamente após o anúncio, e conseguiu que a medida não se aplicasse ao setor automobilístico. Outras restrições à aplicação da medida deverão ser anunciadas. Sobrará para aqueles que não têm poder suficiente. Ou seja: as leis são para todos. Todos os que não podem reagir.

A última das tristes lições colhidas com o episódio é que o governo brasileiro está longe de compreender o significado da crise econômica. Continuam a pensar que a crise é “dos americanos”, e que ela não nos atingirá. Já atingiu, e vai gerar prejuízos ainda mais significativos se continuarmos a fingir que está tudo bem. Outros países estão se preparando, e colocarão o Brasil em uma posição nada confortável se continuarmos deitados em nosso berço esplêndido.

O fato é que a superação da crise depende do fortalecimento da economia real, e não de medidas simplórias de restrição linear à importação de produtos. É necessário lutar para aumentar a competitividade de nossos produtos no exterior. Aliás, este seria um momento único para aumentar a participação do Brasil na substituição de produtos produzidos por países centrais, que sentiram mais agudamente os efeitos da crise. Mas não. Ao invés de ver a crise como problema real ou como oportunidade histórica, nosso governo federal se limita a dizer que tudo está bem. Talvez o seu objetivo seja apenas o de ganhar as eleições de 2010. Se for isso mesmo, coitados de nós.

Agora, resta aguardar os desdobramentos. Talvez a medida seja engavetada, o que confirmará a imaturidade da decisão. Talvez seja colocada em prática, o que afetará a produção nacional. Talvez o prazo de 10 dias para as liberações não seja cumprido (o que é provável, já que os especialistas são unânimes em afirmar que o Decex não tem estrutura para analisar os pedidos com rapidez) e o Brasil tenha sua conduta questionada pela OMC. Talvez ainda não custa sonhar os prejuízos mobilizem a sociedade para não aceitar mais esta forma de administração do interesse público.

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