Escola de Chicago – conclusões e distorções

Há cerca de 30 anos, surgiu em Chicago a escola da Análise Econômica do Direito, também chamada de Law and Economics. Seus postulados somente começaram a permear as obras acadêmicas brasileiras há poucos anos (teria sido uma viagem difícil, provavelmente a pé, entre Chicago e o Brasil?). E, na maior parte dos casos, os fundamentos de seus doutrinadores são aplicados de forma equivocada.

Normalmente, utiliza-se das obras deste movimento acadêmico para disseminar a falsa conclusão de que a proposta central seria a de limitar as lides aos seus aspectos econômicos. As leituras superficiais daqueles postulados indicariam que o direito deveria ser desumanizado, para que a análise do julgador se limitasse a aferição de interesses econômicos, buscando sempre a solução economicamente mais eficiente. E daí vêm as diatribes, as acusações de que tais estudiosos estariam propondo a sujeição dos aplicadores do direito aos egoísticos interesses dos capitalistas.

Quando dedicamos maior atenção aos textos daquela escola, contudo, percebemos que suas propostas não envolvem o simplismo da limitação da atividade judicial à elaboração de cálculos econométricos.

No clássico artigo The Problem of Social Cost (The Journal of Law and Economics, outubro de 1960, pp. 1-44), Ronald Coase afirma a necessidade de serem considerados os prejuízos causados a terceiros no exercício de uma atividade econômica, sempre em comparação com os ganhos decorrentes da manutenção desta atividade, revelando-se a eficiência econômica somente quando estes comportarem aqueles. Indo além, expõe a necessidade de o Poder Judiciário considerar os ganhos sociais decorrentes da manutenção de uma atividade econômica que eventualmente gere prejuízos individuais a determinadas pessoas, desde que, após a compensação dos prejuízos econômicos, haja uma relação de ganho não só para o empreendedor como também para a coletividade em geral.

Sua análise deriva do estudo de diversos casos, em que proprietários de imóveis contíguos a estabelecimentos empresariais (ou mesmo a obras públicas, como os aeroportos) sofrem danos decorrentes da emissão de fumaça, de ruídos e de outras formas de limitação ao seu direito de propriedade. Nestes casos, buscou-se uma solução que não se limitava a proibir a exploração da atividade, mas fixava uma indenização ao proprietário pelos prejuízos sofridos, em valores que não tornassem economicamente ineficiente a exploração da atividade empresarial causadora do dano.

Por fim, o autor analisa as proposições de Pigou, outro economista que procurou estudar os fatos jurídicos sob o viés econômico, para concluir que a certeza na indenização dos danos causados por uma determinada atividade econômica poderia levar os potenciais lesados a não tomarem as cautelas mínimas para evitar os danos, fato que potencializaria os custos com indenizações e, em última instância, poderia gerar uma redução ou mesmo a eliminação das atividades causadoras de danos. O autor admite, assim, em nome do interesse social e da eficiência econômica, a possibilidade de redução dos riscos e custos com indenizações impostas aos agentes da atividade econômica, sempre na salvaguarda de interesses superiores.

Destas percepções iniciais, um grupo de pesquisadores norte-americanos (que posteriormente viria a ser conhecido como Escola de Chicago) construiu uma linha de análise econômica dos fatos jurídicos. Partiram da premissa de que a ciência jurídica deve se aproximar da ciência econômica, para que sejam compreendidos os efeitos econômicos das decisões judiciais. Mas as conclusões que foram firmadas a partir de tal premissa não vieram no sentido de sempre prevalecer o interesse econômico.

A principal orientação hermenêutica proposta pelos estudiosos da Escola de Chicago vem no sentido de que as decisões judiciais podem gerar efeitos econômicos negativos, a serem suportados por toda a coletividade. Seriam dois os principais efeitos negativos: a criação de barreiras injustificadas ao desenvolvimento de certas atividades econômicas e o incentivo à produção de danos indevidos.

Para compreender o primeiro dos desvios, deve-se partir da percepção de que todas as atividades econômicas envolvem um determinado grau de risco, e uma potencialidade de produção de danos. Casos os danos sejam previsíveis e venham de fato a ser causados, a determinação de sua indenização, de forma correta e equilibrada, é um fato econômico natural para o seu causador, na medida em que o risco de pagamento da indenização está inserido na margem de ganho prevista para a atividade econômica. Quando, porém, a condenação à indenização dos danos é imposta de forma exagerada, seja quanto aos valores seja quanto à forma de cobrança, ocorrerá uma elevação artificial nos riscos envolvidos na atividade econômica que, se considerada pelo empreendedor, pode levá-lo a desistir de alocar seus recursos em atividades produtivas.

Não se afirma que os agentes econômicos tenham direito de causar danos indenizáveis, nem que sua responsabilidade deva ser afastada. Há danos socialmente intoleráveis (como ocorre no campo dos danos ambientais ou na utilização de trabalho infantil, entre tantos outros casos que infelizmente poderiam ser citados) que devem ser severamente combatidos pelo Judiciário. O que se afirma é que o padrão de indenização deve ser proporcional ao dano causado, nas hipóteses em que se admite a produção do dano. Caso as indenizações sejam superiores, sua finalidade abrangerá não só a reparação do dano, como também o efeito posterior de evitar que aquele determinado dano volte a ser causado a outra pessoa. Mas, como afirmamos, qualquer atividade econômica envolve alguma possibilidade de dano (seja pela possibilidade de defeito de qualidade na prestação de produto ou serviço, seja pela necessidade de se recorrer à obtenção de crédito externo para o desenvolvimento das atividades, seja por tantos outros fatos moralmente aceitáveis), e a adoção de uma postura no sentido de que nenhum dano seria admissível levaria a um efeito econômico socialmente indesejável, consistente na opção pelo não desenvolvimento de atividade econômica.

Já o segundo efeito econômico negativo que poderia advir de decisões judiciais que não considerem a realidade econômica é o incentivo à produção do dano, o que ocorre quando o padrão de indenizações não só é aceitável, como também se mostra conveniente para o agente econômico. É o que ocorria, por exemplo, no tempo em que os juros e a correção monetária sobre os valores judicialmente debatidos eram muitos inferiores aos ganhos obtidos com a aplicação financeira destes valores. Neste quadro, muitos foram os que se utilizaram do Judiciário (a alimentaram sua ineficiência) pensando nos ganhos financeiros obtidos com valores provisionados para o pagamento de indenizações. Podemos também citar multas administrativas de difícil liquidação, que se mostram como convites à prática de ilícitos.

Em síntese, constata-se da leitura dos autores vinculados à Escola de Chicago que não se está a propor a simplista e inaceitável maximização de lucros em benefício dos agentes da atividade econômica. O que se propõe é o exame da adequação entre as decisões judiciais e a realidade econômica, evitando-se tanto a imposição de barreiras injustificadas ao desenvolvimento econômico quanto a manutenção de sistemas de repressão que incentivem a prática de ilícitos. E não há nada de socialmente desinteressante nestes propósitos.

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