Não somos iguais, senador.

A passagem fundamental da “defesa” de José Sarney perante o Conselho de “Ética” do Senado passou despercebida por muitos, tal sua aparente banalidade. Afirmou o senador: “Somos aqui todos iguais”.

Não se tratou de um instrumento retórico lançado ao vento. A frase é plena de significado; de um significado de difícil compreensão (ou de difícil aceitação, após a compreensão).

Certamente, o objetivo não foi a invocação do princípio constitucional da igualdade, texto de abertura do art. 5.º da Constituição, e que figura como base de um regime democrático. O nobre Senador afirmou que “aqui” seriam todos iguais. “Aqui” querendo significar, provavelmente, no Senado.

Ele não quis dizer que é igual a mim ou a você. Ele seria igual aos seus pares. E a igualdade que uniria os senadores, de acordo com a sequência do discurso, seria a disposição em ajudar aos netos, netas e seus consortes. O que os tornaria iguais seria a existência de acusações, fundadas ou infundadas, contra todos.

Mas, se este fosse mesmo o significado, a frase do imortal senador seria um atentado à lógica de uma defesa eficiente. Se todos os senadores se dispusessem a usar de seu poder pessoal para “ajudar” aos próximos com o chapéu alheio (com o chapéu do povo, que financia as regalias do planalto central), todos estariam igualmente errados. Se todos os senadores intermediassem a concessão de favores (tudo de forma secreta), todos estariam igualmente ofendendo ao princípio da moralidade. E, por fim, todos deveriam, de cabeça baixa e feição de arrependimento, receber suas condenações. Condenações que serviriam para que os demais cidadãos vissem nos seus representantes a imagem de que as instituições garantem, igualmente, o cumprimento da lei.

Realmente, não poderia ser este o significado da frase. Primeiro, porque esta seria uma condenação sem recurso às instituições nacionais, o que nos condenaria ao subdesenvolvimento. Segundo, porque nem todos os senadores agem desta forma. E, terceiro, porque seria uma defesa primariamente burra, que lembraria a clássica frase atribuída ao Barão de Itararé: “ou nos locupletemos todos ou haja moralidade”.

Somente haveria sentido nesta afirmação, em tom de defesa, se a intenção fosse ameaçar aos demais senadores. Mas não é possível crer que um homem público que há mais de 50 anos representa o povo brasileiro fosse se valer de uma tribuna para, em rede nacional, ameaçar seus julgadores de devolver-lhes o tratamento, partindo da premissa (certamente falsa) de que todos teriam em seu currículo violações e desmandos. Se este for mesmo o retrato de nosso Senado, as últimas esperanças neste país cairiam por terra.

Vamos então tentar retomar a compreensão lógica de defesa. Talvez ela seja um recado íntimo a todos nós, no sentido de que ninguém é assim tão puro. Todos seríamos tentados a abusar do poder, especialmente em benefício de nossos entes queridos. Todos agiríamos de forma a não nos indispor com o próximo que extrapola o limite do aceitável no plano das violações éticas. Todos, enfim, bem saberíamos que os postulados éticos estão distantes de nossa realidade social. Seríamos o país do jeitinho, muito bem representado nas casas legislativas. A condenação de um igual, neste plano, seria em si a violação de um padrão ético já consagrado, tomando a forma de um moralismo vazio.

Também este sentido deve ser refutado, sob pena de nada podermos desejar de nosso futuro. Há muita gente honesta e trabalhadora neste país. Gente que certamente está ofendida com o comportamento de alguns de seus representantes. Gente que sofre ao saber o destino dado ao dinheiro que advém de seu suor. E esta gente merece respeito e trabalho por parte daqueles a quem incumbe a aplicação das leis.

Ou seja: a igualdade invocada pelo imortal senador não apresenta um significado lógico ou aceitável. Talvez a única lição que dela se pode extrair é que o real detentor do poder não teoriza; não precisa teorizar. Ele manda e é obedecido, independentemente do que faça ou diga.

Talvez tudo ficasse mais claro (e mais útil, na medida em que assim melhor compreenderíamos a real estrutura de poder de reina sobre nosso país) se o senador simplesmente sentasse em sua cadeira, olhasse fixamente para seus pares (talvez alisando seu bigode, para conferir um efeito mais dramático), e os mandasse votar. Não há sentido em consumir quase uma hora da atenção da nação em uma “defesa” que nada disse, além do essencial: que, ali, são todos iguais. E que este iguais não são iguais a nós, que ali não estamos.

Só mais um detalhe: este artigo seria ilustrado com um quadro-resumo das acusações feitas contra nosso ex-presidente. Como o quadro acabou ficando maior do que o texto do artigo, deletei.

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