O Poder de Controle na Sociedade Anônima – Alguns Aspectos

I – Introdução; II – Teoria da separação entre a propriedade e o controle na sociedade anônima; III – O controle externo; IV – Abuso do poder de controle – responsabilidade civil do controlador, a) aspectos gerais, b) legitimação, c) tutela jurisdicional, d) sanções administrativas; V – Alienação do poder de controle; VI – O poder de controle e o acordo de acionistas; VII – Golden Share – o artigo 18 da Lei 6.404/76; VIII – Assertivas de cunho conclusivo; IX – Bibliografia.

I – Introdução

Certamente um dos temas que mais tem merecido a atenção daqueles que se detém ao estudo das sociedades empresárias é o relacionado ao poder de controle na sociedade anônima, na medida em que acaba por desenvolver toda uma teoria em torno do relacionamento entre aqueles que possuem o bloco de ações com maioria de votos na assembléia da companhia e os que devem se submeter à sua vontade, os minoritários.

No direito brasileiro pode-se dizer que há um marco na doutrina a respeito deste assunto, que é estabelecido pelos estudos do Professor Fábio Konder Comparato, notadamente em dois trabalhos.: “Aspectos jurídicos da macro empresa” e “O poder de controle na sociedade anônima”. É a partir destes estudos que procuramos desenvolver o trabalho que se segue, trazendo à discussão questões atuais relacionadas com o cotidiano do relacionamento entre os acionistas da sociedade anônima.

II – Teoria da separação entre a propriedade e o controle da sociedade anônima

Para que possamos adentrar no assunto referente ao poder de controle na sociedade anônima devemos ter presente os diversos interesses possíveis por parte dos acionistas com relação a administração da companhia. Sendo assim, encontramos os empreendedores, que são aqueles acionistas cujo interesse pela condução do negócio é total e a sua participação nos rumos da companhia geralmente são decisivos para o sucesso ou fracasso do empreendimento.

Identifica-se também o acionista rendeiro, que procura nas ações uma forma de investimento a longo prazo, e, portanto, também tem interesse pela administração da companhia, mas não de forma intensa como o empreendedor. Por final encontramos o acionista especulador, cujo interesse pela companhia é apenas momentâneo e totalmente despreocupado com sua administração, mas cuja participação é fundamental para que o mercado de capitais tenha liquidez.

Como se sabe as decisões nas sociedades anônimas são tomadas pela assembléia geral, levando-se em conta o fato de que quem detém a maioria dos votos alcança o controle da sociedade, elegendo os seus diretores, os membros do conselho fiscal, a diretoria. Por via de conseqüência, influi profundamente no andamento da sociedade, não só no que diz respeito à política geral de condução dos negócios, como também no seu dia a dia, já que o controlador exerce forte ascensão sobre os administradores por ele nomeados[1]. Assim, o conceito de poder de controle é sempre construído com base na assembléia geral, última instância da sociedade.

Se antigamente o conceito de maioria e minoria fundava-se segundo a fórmula “metade mais um” e “metade menos um”, tendo em vista a existência de uma sociedade em que todos tinham direito de voto e havia a efetiva participação dos acionista, hoje, com o surgimento da sociedade moderna isto não mais ocorre. Nem todos os acionistas contam com direito de voto e a dispersão das ações acaba por propiciar a existência de um controle exercido por pessoa(s) que detém menos da metade das ações da companhia.[2]

Diante deste aspecto, podemos verificar que somente uma parcela daqueles que são proprietários da sociedade efetivamente detém o seu controle. Adolf A. Berle e Gardiner C. Means, são apontados como os estudiosos que em primeiro ocuparam-se em estudar esta característica da empresa moderna, o que fizeram na obra “The modern corporation and private property”[3], onde, separando a propriedade do controle da sociedade[4], identificam cinco tipos de controle possíveis numa sociedade: o controle fundado na posse da quase totalidade das ações da companhia; aquele controle fundado na posse da maioria dessas ações; o obtido por meio de expedientes legais; o minoritário e o controle gerencial ou administrativo.[5]

Em sua celebre obra “O poder de controle na sociedade anônima”, o Prof. Fábio Konder Comparato, em exame detido daquela classificação, acaba por reduzí-la a quatro espécies de controle: totalitário, majoritário, minoritário e gerencial.

O controle é totalitário quando nenhum acionista é excluído do poder de dominação na sociedade. Majoritário, quando exercido por aquele que detém a maioria das ações com direito a voto. Minoritário, quando o controle está nas mãos de alguém que detém menos da metade da ações com direito a voto, tendo em vista a grande dispersão acionária. Por último o controle gerencial se faz sentir quando se verifica o controle interno totalmente desligado da titularidade das ações em que se divide o capital social, controle este oriundo da extrema dispersão do capital social, fazendo com que os administradores assumam o controle empresarial de fato, enquanto que os acionistas exercem a função de meros prestadores de capital[6].

Fábio Ulhoa Coelho[7], referindo-se à classificação acima, lembra que no Brasil, tendo em vista o estágio de desenvolvimento de nosso mercado de capitais, predominam as sociedades de controle totalitário, são raros os casos de controle minoritário e não existem casos em que o controle está nas mãos dos administradores da companhia. De fato. Ao contrário do que ocorre nos mercados mais amadurecidos, como é o caso do norte-americano, que já na época dos estudos de Berle e Means, conforme estes autores apontam, 65% das duzentas maiores empresas norte-americanas seriam controladas seja pelos diretores, seja por um instrumento legal envolvendo reduzida participação acionária, no mercado brasileiro isto não ocorre. Neste contexto “são bastantes eloqüentes os resultados de pesquisa realizada em 1985 pela Superintendência de Estudos e Projetos da Comissão de Valores Mobiliários entre 476 sociedades anônimas brasileiras (representando, à época, cerca de 90% do patrimônio líquido total das sociedades anônimas cotadas em bolsa). Demonstrou-se que o percentual médio de controle nessas sociedades era de 69,8% do capital com direito a voto. Em 18,4% das sociedades o controle chegava a percentuais entre 90 e 100% do capital social. Se esse é o grau de concentração nas companhias de capital aberto, com relação às quais é razoável pressupor a existência de maior interesse na diluição da participação acionário, imagine-se nas companhias fechadas e sociedades por quotas de responsabilidade limitada.”[8]

Especialmente sobre o controle gerencial, importa lembrar a ressalva que faz J.E. Parkinson[9], quando se refere aos problemas inerentes à delegação do poder de controle nas sociedades anônimas. Menciona aquele autor que “enquanto a delegação do poder é um pré-requisito para a eficiência da empresa, ela traz o risco comum a todas as relações de outorga de poderes, o de que os diretores passem a agir em virtude de seus próprios interesses às expensas do acionsita, consequentemente minimiozando os ganhos esperados.” É especilamente levando em conta esta preocupante realidade que nosso sistema jurídico é dotado de mecanismos suficientes para coibir a prática de atos pelo controlador, distanciado dos interesses dos acionistas e da própria sociedade.

Controle, neste contexto, não pode ser definido singelamente como a habilidade ou o poder de eleger os membros da diretoria da sociedade. O ponto é que não são somente as decisões do dia a dia dos negócios da empresa ou mesmo estratégias a longo prazo que foram tiradas dos acionistas não controladores, mas sim que estes não são capazes de modelar os propósitos para o qual os negócios estão sendo direcionados, ou seja, são eles incapazes de obrigar os gerenciadores a agirem de tal e qual maneira.[10] [11]

O Direito brasileiro acabou por contemplar a existência de todas estas espécies de controle das sociedades anônimas, estabelecendo que: “Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem ,de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.”[12]

Torna-se necessário, portanto, que estejam presentes dois elementos para que o poder de controle efetivamente se faça presente além da simples maioria de votos na assembléia: é necessário também que a) este controle se dê de modo permanente e estável e que b) a(s) pessoa(s) detentora(s) do poder de controle utilize(m)-se dele para imprimir à sociedade a marca de sua atuação, ou seja, somente há que se falar em poder de controle se este poder efetivamente for utilizado – não existe poder passivo[13].

III – O controle externo

Além daquele controle “interna corporis” acima mencionado, é fácil de se verificar que a empresa moderna está sempre sujeita a diversas formas de controle que se originam fora dela, isto ocorre sempre que fenômenos externos venham a alterar significativamente os rumos normais da vida societária.

A doutrina aponta várias hipóteses em que se dá o controle externo. É o caso da existência de contratos firmados entre a companhia e terceiros que acabem por reduzir significativamente o seu âmbito de atuação, conforme ocorre nos contratos de “franchising”, em que os franqueados são compelidos a aderirem a cláusulas rígidas quanto a sua atuação. O mesmo ocorre em relação ao contrato de “know-how”, onde se verifica em muitos casos a grande dependência entre o fornecedor da tecnologia e a sociedade.

Hoje não é raro que a sociedade esteja de tal forma comprometida economicamente que acabe por submeter-se às exigências de seus credores, especialmente bancos, que geralmente condicionam a manutenção do relacionamento creditício à uma série de providências de natureza administrativa e organizacional, exercendo um verdadeiro controle administrativo e financeiro sobre a companhia.

Verifica-se também a grande influência externa do Estado, compreendido aí os entes da Federação – União, Estados e Municípios, suas autarquias e entes de regulação. Como exemplo temos o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, a quem compete prevenir e reprimir as infrações à ordem econômica, podendo impor multa pecuniária ou tomar medidas necessárias para obstar práticas de abuso do poder econômico, como é o caso do rol do artigo 24 da Lei nº 8.884/94, que estabelece entre outras providências, a possibilidade de aquela autarquia determinar a cisão da sociedade, transferência de controle societário, venda de ativo, cessão parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica, dentre eles, inclusive, a intervenção administrativa na empresa infratora, nos termos já previstos pelo artigo 17 da revogada Lei 4.137/62.

Diga-se o mesmo com relação às agências de regulação de determinados setores produtivos, especialmente aqueles recentemente privatizados. É o caso da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, criada pela Lei 9.472/97, a quem cabe regular e fiscalizar o setor de telecomunicações, tendo poderes amplos no sentido de imiscuir-se na administração das empresas exploradoras do serviço de telecomunicações.

Devemos, no entanto, ressaltar que esse tipo de interferência representa não um poder de controle propriamente dito, nos termos estudados pelo direito societário, na medida em que são fenômenos jurídicos externos e que estão ligados à própria atividade desenvolvida pela companhia e não propriamente ao modelo societário, ou seja, este é um controle que afeta tanto uma sociedade anônima quando qualquer outra forma de sociedade – por quotas, em conta de participação, empresário individual, etc. – representa, isto sim, a necessária interferência do Estado na iniciativa privada e que acaba abrangendo toda a forma de atividade econômica que interesse à coletividade.

Para o professor Waldirio Bulgarelli[14], no Brasil, uma série de controles foram criados, independentemente de ser restrito à ordem organizacional da sociedade quanto a estrutura de atuação da empresa. Dessa forma pode-se dizer que, na realidade, o que ocorre nesses casos de fiscalização governamental, não seria um poder de controle mas um “controle de poder”. Seria uma forma velada de manter as sociedades sob o domínio do Estado.

Sem dúvida este tipo de controle – controle externo – está presente no cotidiano de um grande número de sociedades, no entanto, para os efeitos de nosso estudo, trataremos tão somente do controle exercido “interna corporis”, mediante a análise da legislação societária pertinente.

IV – Abuso do poder de controle – Responsabilidade do controlador

a) aspectos gerais

Comparato[15] nos ensina que o desvio de poder consiste “num afastamento não da forma mas do espírito da lei, representando ato típico de fraus legi, e não contra legem”, e que “do desvio de poder deve ser destacado o excesso, que ocorre quando o agente, embora perseguindo fins consagrados ou impostos pela ordem jurídica, interfere, não obstante, de modo mais do que necessário na esfera jurídica alheia”.

Aquele mesmo autor destaca os objetivos ou finalidades que legitima o poder de controle na sociedade anônima, retirados do texto expresso do parágrafo único do artigo 116 da Lei 6.404/76, que são de duas ordens: os intra e os extra-empresariais.

Entre os primeiros encontramos tudo aquilo que traga a satisfação dos participantes da empresa, tais como os acionistas, os titulares de valores mobiliários outros, seus empregados e administradores. No que diz respeito aos interesses extra-empresariais são eles relacionados à comunidade da qual a sociedade faz parte.
Estas duas ordens de interesses ou objetivos acabam por consagrar o primado da função social da propriedade, abandonando a “teoria do exclusivo atendimento dos interesses acionários e, até mesmo, dos interesses intra-empresariais em seu conjunto, como objetivo da atuação de controladores e administradores”[16].

O parágrafo único do artigo 116 consagra a doutrina de que a empresa, e em especial a companhia aberta, não pode ser conduzida de forma absoluta pelos seus controladores, mas precisa realizar o seu objeto e cumprir a sua função social, não se descurando dos deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

Se por um lado se diz que o poder de controle se exterioriza na assembléia geral da companhia, isto não quer significar que o rol do parágrafo 1º do artigo 117 somente se verifica se tais ações forem praticadas ou delineadas nas assembléias, na medida em que também fora da reunião acionária, mediante “orientação” informal ao conselho de administração ou diretoria, o controlador pode cometer abusos.[17]

Por outro lado, mesmo que o ato tenha sido aprovado em assembléia, mesmo assim, em tese, não afasta a possibilidade da ocorrência do abuso do poder, e, portanto, a responsabilização do acionista controlador.

O texto legal – arts. 116 e 117 – apresenta determinadas expressões que podem trazer dificuldades para o aplicador do direito. Como saber se uma determinada atitude do controlador é desleal ou não atende a sua função social? Como conciliar o interesse a companhia com o interesse da coletividade? Quando um administrador pode ser considerado inapto, moral ou tecnicamente ?

Na verdade quando verificamos estes standards de comportamento mencionados pelo legislador estamos diante dos chamados conceitos vagos, que devem ser preenchidos pelo aplicador da norma levando em conta o senso comum. Não se trata, em absoluto, em atribuir um poder discricionário àquele incumbido de verificar a ocorrência dos fatos subsumíveis à sobredita norma, já que, conforme assinala Themistocles Brandão Cavalcanti[18] a discricionariedade constitui-se naqueles atos da administração que podem ser executados de diversas maneiras, dentro da faculdade condedida pela lei ao administrador. “É essencialmente uma liberdade de eleição entre alternativas igualmente justas ou entre indiferentes jurídicos”[19].
Quando é levado ao Poder Judiciário, por exemplo, um fato cometido pelo controlador tido como desleal, o juiz não está diante de duas ou mais soluções, todas válidas, como pode ocorrer em relação a atuação do administrador, mas sim, está ele incumbido de interpretar a lei abstratamente posta e subsumi-la[20] ao caso concreto de forma a subtratir desta atividade apenas uma solução, a justa, a melhor, pois “por meio da função jurisdicional expressa-se – se assim podemos dizer – a ‘verdade legal’, a ‘verdade jurídica’ no caso concreto. Não há espaço para duas ‘verdades do direito’ em uma mesma lide, tanto mais quando antinômicas”[21].

Considerando que o juiz, nestes casos, não exerce atividade discricionária, mas sim, quando muito, preenche conceito vago[22] através de atividade eminentemente interpretativa, isto quer significar que “o juiz não tem diante de si vários caminhos dentre os quais pode, indiferentemente, escolher um, sendo, todos, juridicamente lícitos e ‘queridos’ pela norma. Para o magistrado, há uma só solução, que há de ser tida como correta: a desejada pelo legislador e determinada pela norma”.[23]

O artigo 238 estabelece que a pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (arts. 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação. Cabe aqui lembrar que o controlador da sociedade de economia mista está diretamente vinculado aos objetivos perseguidos pelo Estado quando da criação da companhia, cujo lucro pode ser uma conseqüência da atividade desenvolvida, mas não o elemento balizador de sua existência[24], sendo que o lucro pode se apresentar não só como um “resultado patrimonial” positivo, mas também como um “lucro social” condizente com os objetivo do sócio controlador Estado.

Estas regras de conduta acabam por gerar responsabilidade interna corporis com relação ao detentor do controle e os minoritários, ou seja, a ação que tenha como causa de pedir a responsabilidade civil do controlador deverá partir dos próprios acionistas, sendo que, se o ato por ele praticado vier a atingir a esfera jurídica de terceiros estranhos à sociedade, a disciplina jurídica subsumível é outra, já que se tratará de uma demanda proposta por terceiro contra a própria sociedade e não contra o seu controlador.

A responsabilidade do acionista controlador não é diferente daquela na qual se encaixa os demais acionistas. No entanto, atenta-se para o fato de o controlador ser responsabilizado solidariamente com a empresa por atos lesivos ao sistema de seguridade social (Lei 8620/93,art.13,parágrafo único), e, também quando houver má administração de instituição financeira, quando em liquidação ou sob intervenção.(Decreto -lei n. 2.321/87 e Lei n. 9.447/97, art 1º). Sendo no primeiro caso solidário em relação a sociedade anônima e no segundo em relação aos administradores.

É importante lembrarmos que não é só o controle interno que gera responsabilidade do seu detentor. A responsabilidade do controlador externo, seja de que natureza for – instituição financeira, agencias reguladoras, órgão públicos, etc. está presente. Nas palavras de Fábio Konder Comparato[25]: “O estabelecimento desse controle externo, com a intervenção estatal na empresa privada, não pode deixar de produzir conseqüências importantes, no que tange à responsabilidade civil do Estado pela gestão empresarial, perante o acionista e terceiros…”.

b)Legitimação

Serão legitimados passivos para responder à providência jurisdicional tanto o acionista controlador pessoa física (art. 117), quanto a pessoa jurídica que controla a companhia (arts. 238 e 246).

Para a identificação objetiva do controlador o Conselho Monetário Nacional fez editar a Resolução nº 401/76, que em seus itens II, III e IV, acabou, ao regular a disposição contida no art. 254 da Lie 6.404/76, por conceituar o poder de controle para efeito de aplicação de referido artigo, como sendo:

1. – aquele definido pelo art. 116 da Lei 6.404/76 (item II);

2. – aquele que nasce de acordo de acionistas (art. 118 da Lei 6.404/76 item III);

3. – e, por último, o controle minoritário, “exercido por pessoa ou grupo de pessoas vinculadas por acordo de acionistas, ou sob controle comum, que é titular de ações que lhe asseguram a maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas três últimas assembléias gerais da companhia” (item IV)

Esta resolução acabou por adotar a posição segundo a qual em nosso direito somente há que se fazer prova a respeito do exercício efetivo do poder de controle quando se trate de controle minoritário, posto que a detenção da maioria das ações votantes sempre prossupõe o status de acionista controlador ou sociedade controladora ou de comando. Fábio Konder Comparato[26] assevera que “a exigência do uso efetivo do poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia somente se compreende, como elemento integrante da definição de controlador, em se tratando de controle minoritário. Neste, com efeito, o titular de direitos de sócio que lhe assegurariam a preponderância nas deliberações sociais, em razão da dispersão acionária, pode manter-se ausente nas assembléias gerais, perdendo com isto, de fato, o comando da empresa”.

Deixando de lado toda a celeuma surgida com a limitação trazida pela referida resolução no que diz respeito ao direito de todos os acionistas gozarem dos benefícios, na proporção de suas participações, quando da alienação do poder de controle, mediante a oferta pública que era tratada pelo revogado artigo 254, parece que, mesmo diante da revogação do seu pilar de sustentação (art. 254), tal resolução pode ser utilizada como referência para se identificar o poder de controle naqueles casos em que ele é exercido pela minoria. Assim, o aplicador da norma deverá, para identificar qual o acionista minoritário que exerce o controle da companhia detectar qual a pessoa ou grupo de pessoas vinculadas por acordo de acionistas, ou sob controle comum, que é titular de ações que lhe asseguram a maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas três últimas assembléias gerais da companhia.

Quanto a legitimidade ativa, o artigo 246 é esclarecedor quando legitima a minoria – melhor seria dizer os acionistas não detentores do poder de controle – para ingressar com ação de reparação de danos como representantes da própria companhia. Ou seja, a legitimação é da própria sociedade, que, se fazendo representar por um de seus órgãos – acionistas não detentores do poder de controle – ingressa em juízo em face do controlador para haver reparação de danos. Se é assim, a condenação, se houver, será no sentido de que o controlador venha a indenizar os danos causados à sociedade, que, de forma indireta, trará benefícios ao acionista não detentor do poder de controle, será a sociedade, portanto, beneficiada com a condenação judicial.

A legitimação dos acionistas não detentores do poder de controle independe da autorização prévia de qualquer órgão da companhia. Conforme alerta Modesto Carvalhosa[27], não se trata de legitimação extraordinária ou substituição processual, pois é a própria companhia que ingressa em juízo em nome próprio pleiteando direito próprio, já que “transformam-se os minoritários em órgão da sociedade para o específico fim de ingressar em juízo contra a controladora. E, assim prescrevendo a lei, configura-se ação social ut universi, na medida em que a controlada faz valer o seu direito à reparação civil junto à controladora, ingressando ela mesma em juízo, através do órgão especial criado para este fim: os minoritários.”

Tem-se, portanto, assegurado pela LSA, em seu artigo 159, parágrafos 3º e 4º, ao acionista não controlador, o direito de propor ação de responsabilidade civil, contra o controlador.

Esta ação não exclui o direito de o acionista individualmente vir a pleitear o que lhe convier contra o controlador, devendo comprovar o dano individualmente sofrido, como aliás, pode também ocorrer em relação à ação de responsabilidade civil promovida contra os administradores, nos termos do parágrafo 7º do art. 159.

Pela sistemática adotada pela Lei 6.404/76, especialmente pelo que estabelece o artigo 246, verifica-se que existem dois sistemas distintos. Se os danos forem causados por sociedade controladora, a legitimidade será regulada com as limitações impostas pelo artigo supra mencionado, ou seja, a ação para haver reparação caberá a) a acionistas que representem 5% ou mais do capital social, b) ou a qualquer acionista, desde que preste caução. Verifica-se também, que neste caso, em havendo condenação da sociedade controladora, pagará ela honorários advocatícios no importe de 20% e “prêmio” de 5% calculado sobre o valor da condenação.

No entanto, se o controlador não for sociedade, mas sim pessoa física, nenhuma destas regras acima incidirão. Aplicar-se-á a regra geral do artigo 117 que estabelece que o acionista controlador responde pelos danos que venha a causar à companhia. Neste caso, qualquer acionista não controlador terá condições de intentar a ação correspondente, independentemente de prestação de caução ou de um número mínimo de capital social.

Waldírio Bulgarelli[28] critica o que chama de falta de boa técnica do legislador, afirmando que “não se tratando, evidentemente, da ação de reparação civil contra o administrador pelos prejuízos causados ao patrimônio da companhia (art. 159 e parágrafo), nem de sociedade controlada (prevista no art. 246), deve-se entender tratar-se de ação ordinária, possível de ser intentada por qualquer acionista. Efetivamente perdeu o legislador a oportunidade de disciplinar adequadamente a ação correspondente aos atos inidôneos dos controladores, como aliás o fez, com muita propriedade, em relação à sociedade controladora.”

Cabe realçar também, que, na medida em que o parágrafo único do artigo 116 estabelece que o acionista controlador tem responsabilidades não só com os demais acionistas não controladores – responsabilidade interna corporis, mas também perante detentores de valores mobiliários, os funcionários e a comunidade, são estes legitimados para propor medida judicial em face do controlador. Os funcionários individualmente ou de maneira coletiva por meio de seu sindicato de classe e a comunidade fazendo-se representar pelos entes da Federação – União, Estados e Municípios.

c) tutela jurisdicional

Quando verificamos quais os instrumentos processuais colocados à disposição dos acionistas não controladores, aptos a combater os abusos de poder praticados pelos acionistas controladores, evidentemente devemos analisar a Legislação Societária à luz do Código de Processo Civil. Fazendo isto, verificamos que à “controlada” não cabe pleitear tão somente a reparação dos danos, o que se dá por meio da tutela reparatória, que tem como função procurar restabelecer as coisas como se o ato nunca tivesse sido praticado.

Hoje é assente que o procedimento de cognição plena e exauriente não mais se presta a propiciar a tutela preventiva adequada, capaz de impedir que o ilícito ocorra. Justamente diante deste estado de coisas é que o nosso Direito Processual Civil tem experimentado grandes evoluções, especialmente após o desencadeamento das microreformas sofridas pelo Código de Processo Civil notadamente a partir do ano de 1994.

Especificamente com relação ao assunto que nos interessa, com o advento da reforma acima referida foi dada nova redação ao art. 461 do Código de Processo Civil, trazendo para o direito brasileiro a já conhecida tutela inibitória do direito italiano, que, “configurando-se como tutela preventiva, visa a previnir o ilícito, culminando por apresentar-se, assim, como uma tutela anterior à sua prática, e não como uma tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela ressarcitória”, sendo que, “a configuração de uma tutela genuinamente preventiva implica na quebra do dogma – de origem romana – de que a única e verdadeira tutela contra o ilícito é a reparação do dano, ou a tutela ressarcitória, ainda que na forma específica.”[29] Trata-se, na verdade, de uma nova forma de combate ao ilícito, fazendo com que ele não ocorra.

Estabelece o supramencionado artigo 461 do Código de Processo Civil que:
“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

Par. 1º. A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

Par. 2º. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).

Par. 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é licito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

Par. 4º. O juiz poderá, ná hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

Par.5º. Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.”

Com este novo dispositivo legal, é evidente o propósito do legislador em evitar ao máximo a possibilidade simplista de se resolver por perdas e danos o inadimplemento de uma obrigação legal ou contratual. Ada Pellegrini Grinover[30], sobre este assunto, observa que “a determinação do cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer pode vir em sentença final ou ser provisoriamente antecipada, sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, liminarmente mediante justificação prévia, neste último caso com citação do réu. Trata-se de regra específica para esse tipo de tutela, desdobramento do princípio geral da antecipação dos efeitos de qualquer tutela jurisdicional, introduzida pelo novo art. 273; descumprido o preceito da sentença ou de sua antecipação, passa-se às medidas executivas lato sensu, “no mesmo processo de conhecimento já instaurado”, se se tratar de obrigação de prestar declaração de vontade, aplica-se o sistema dos arts. 639-641 do estatuto processual, pois a sentença constitutiva já produz resultado equivalente ao da declaração; se se tratar de prestação infungível, que possa ser prestada por terceiro, a hipótese subsume-se ao disposto no art. 634 do Código – inalterado – , que não deixa de configurar medida sub-rogatória enquadrável no parágrafo 5º do art. 461, independentemente, portanto, de processo separado de execução; nas demais hipóteses, a multa torna-se exigível e, sempre que possível, o juiz procederá de imediato à tomada das providências sub-rogatórias exemplificadas no parágrafo 5º do art. 461, para atingir o resultado equivalente ao adimplemento, sem necessidade de processo de execução.”

Teori Albino Zavascki[31], bem acentua que “A notável valorização que se deu à busca da tutela específica está acentuada, sobretudo, nos dispositivos que conferiram ao Juiz uma espécie de poder executório genérico, habilitando-o a utilizar, inclusive de ofício, além dos mecanismos nominados nos parágrafos 4º e 5º, outros mecanismos de coerção ou de sub-rogação inominados, que sejam aptos a induzir ou produzir a entrega in natura da prestação devida ou de seu sucedâneo prático de resultado equivalente.”

Em relação ao requisitos para o adiantamento da tutela, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery[32] argumentam que “A tutela específica pode ser adiantada, por força do CPC 461 par. 3º, desde que seja relevante o fundamento da demanda (fumus boni juris) e haja justificado receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora). … “A antecipação pode ser dada inaudita altera parte ou depois de justificação prévia, caso o juiz a entenda necessária. A liminar dada sem a ouvida da parte contrária deve ser concedida quando a citação do réu puder tornar ineficaz a medida ou quando a urgência for de tal ordem que não pode esperar a citação e resposta do réu.

Veja-se, portanto, que nosso ordenamento jurídico permite que de imediato, sem que seja necessário aguardar que os atos tomados pelo controlador venham a efetivamente trazer prejuízos à sociedade, possa o Juiz determinar, através de meios suborgatórios ou por imposição de multa, a cessação de todos os atos que se traduzam da exteriorização do uso abusivo do poder de controle.

d) Sanções administrativas

A par da responsabilidade civil atribuível ao acionista controlador da companhia de capital aberto, é de se verificar que ele também tem responsabilidade administrativa perante a Comissão de Valores Mobiliários, nos termos da Lei 6.385/76, podendo responder, por meio de inquérito administrativo, pelos atos praticados em desacordo com a lei ou mediante práticas não equitativas.

“Declarada a ilegalidade ou a irregularidade, representada, v.g. pelas práticas de insider trading, caberá à Comissão de Valores Mobiliários impor ao controlador as penalidades administrativas capituladas na referida lei, inclusive a de suspensão do exercício do cargo de administrador que eventualmente o controlador exerça. Poderá, ainda, a Comissão de Valores Mobiliários inabilitar o controlador para o exercício do cargo de administrador da companhia”[33] de forma a verificar-se que aquela autarquia exerce efetivo controle externo na sociedade, com vistas a reprimir o abuso do poder de controle, podendo, inclusive, como dito acima, suspender o controlador de suas atividades na companhia.

Ademais atente-se para o fato de que mesmo não sendo o controlador o efetivo administrador da companhia ele deve responder pelos prejuízos que por ventura vier a causar, bastando para tanto que se comprove que por meio de sua ação ou omissão com relação ao efetivo exercício dos poderes inerentes ao controle da sociedade, veio a causar a esta prejuízos.[34].

V – Alienação do poder de controle

Com a criação da figura do controlador pela Lei 6.404/76, a ele foi atribuída a obrigação de promover a oferta pública aos demais acionistas em caso de alienação do bloco das ações de comando a terceiros, isto se se tratasse de companhia aberta. Esta regra, como sabemos, visava impedir que o valor das ações em poder do acionista controlador fosse cotada a um valor muito superior que aquelas de posse dos acionistas sem poder de controle, sob o argumento de que o benefício deve ser auferido por todos, independentemente do controle que se transfere, isto porque o controle da companhia é algo que, se gera um sobre valor, este ganho pertence à todos os acionistas e não a apenas uma parcela deles.

Abandonada esta sistemática com a revogação do artigo 254 pela Lei 9.457/97, hoje não mais existe a obrigatoriedade de oferta pública para a venda das ações do bloco de controle, ou seja, o sobre preço advindo desta venda pertence exclusivamente ao controlador e não é dividido entre os demais acionistas da companhia. Na verdade esta alteração é tida pela doutrina como uma injustificável supressão de um dos direitos fundamentais dos acionistas minoritários[35].

Nelson Eizirik[36] sustenta que “com a reforma, inequivocamente, ‘ganham’ os acionistas controladores, que doravante serão os únicos a se apropriarem do preço na operação de alienação do controle acionário; por outro lado, sempre foi bastante discutível, do ponto de vista econômico e jurídico, a extensão aos minoritários do sobrepreço inerente ao poder de controle.

Resta hoje a possibilidade de a oferta pública constar dos estatutos da companhia como uma obrigação estatutária, mas não mais legal.

Por outro lado, permanece sendo considerada a alienação do poder de controle fato relevante, cuja comunicação ao mercado não foi suprimida pela revogação do art. 254, prevalecendo a instrução CVM n. 31/84.

Diante destes fatos, pergunta-se: estão os acionistas minoritários desprovidos de qualquer forma de defesa em caso de alienação do poder de controle? Não têm eles outra alternativa senão observarem inertes a mudança de controle?

Calixto Salomão Filho[37], em excelente estudo a respeito da nova disciplina da alienação do poder de controle, com muita sensibilidade, argumenta que com a subtração do direito dos minoritários do direito a oferta pública de suas ações “abre-se, agora, um largo campo para a discussão do interesse social na alienação de controle e de sua eventual possibilidade de contestação por minoritários, administradores da companhia e terceiros. Interesse social e interesse do controlador parecem estar mais distanciados na alienação de controle”.

Entende aquele autor que, tendo em vista que a atividade empresarial deve ser exercida com vistas não ao interesse particular do controlador ou administrador, mas sim no interesse de todos os acionistas, a alienação do controle que venha a trazer prejuízos à organização empresarial não cumpre essa função. “Assim, o negócio de alienação de controle, exatamente por não envolver apenas o bem ‘ação’, mas o verdadeiro controle sobre a organização empresarial e, conseqüentemente, o controle de patrimônios e até destinos alheios, não pode ser considerado um negócio privado”.

VI – O poder de controle e o acordo de acionistas

Sabemos que aquele acionista que detém mais de 50% do capital votante não tem necessidade de se juntar a outros acionistas para fazer valer sua vontade perante a assembléia geral, está ele apto a imprimir sua vontade soberana perante a sociedade, não dependendo do apoio dos demais acionistas.

No entanto, tal situação pode não ocorrer, ou seja, as ações da companhia podem estar dispersas de tal maneira que nenhum acionista, isoladamente, tem condições de exercer o controle da companhia. Quando isto ocorre, é inevitável que os acionistas se aglutinem em torno de interesses comuns, constituindo um bloco que adote posições convergentes, exprimindo uma vontade social única que prevaleça principalmente nas assembléias.

Esta reunião de acionistas em torno de um objetivo comum não precisa necessariamente ser formalizada nos termos do artigo 118 da Leis da S/A, pois a lei admite a existência do acionista controlador de fato. Ou seja, sempre que dois ou mais acionistas estabeleçam regras de conduta para o exercício do direito de voto na assembléia de forma a imprimir sua vontade diante daquele órgão social identifica-se ai o poder de controle[38].

Fábio Ulhoa Coelho[39] bem esclarece que “os acionistas que detêm juntos o controle na companhia podem contratar, por exemplo, que todos votarão em determinadas pessoas para os cargos de diretoria; ou que se reunirão, previamente à assembléia, para definir, por maioria, o voto que todos irão manifestar no conclave”, sendo o acordo de acionistas “o principal instrumento que o direito societário brasileiro reservou para a estabilização de posições acionárias”, tratando-se, portanto, fundamental mecanismo para o exercício do poder de controle.

A princípio qualquer assunto pode ser objeto de acordo entre os acionistas, estando vedada somente a venda de voto, que se consubstancia naquela hipótese em que o acionista deve manifestar-se v.g. sobre as demonstrações financeiras da companhia, as contas dos administradores e os laudos de avaliação. São os chamados votos de verdade que não podem ser objeto de acordo.[40] Lembra Fábio Ulhoa Coelho[41] que também não pode ser objeto de acordo a convenção de que um determinado acionista deva sempre votar segundo a determinação de outro, pois, assim seria como se excluísse o seu direito de voto.

Como vimos, o acordo entre os acionistas, que acaba por formalizar um grupo de controle, não necessariamente precisa ser arquivado na companhia – requisito formal do artigo 118 – no entanto, caso não se providencie o seu arquivamento, os signatários do mesmo não terão a seu dispor as garantias estabelecidas quanto ao inadimplemento do mesmo, especialmente quanto a chamada obrigação negativa da companhia de não considerar os votos que contrariem o acordo devidamente arquivado. Não poderá, a mesa diretora dos trabalhos, votar em nome do acionista inadimplente, substituindo sua vontade, no entanto, tal voto não será computado.

Para a execução da obrigação específica estabelecida no acordo de acionistas cabe, em nosso entender, a aplicação do artigo 461 do Código de Processo Civil, acima citado, existindo a possibilidade da antecipação dos efeitos da tutela se presentes os requisitos para tanto.

VII – Golden Share – o artigo 18 da Lei 6.404/76

Estabelece o artigo 18 da Lei 6.404/76 que o estatuto da companhia pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração. Este mesmo dispositivo ainda estabelece a possibilidade de o estatuto vir a subordinar determinadas alterações estatutárias à aprovação dos titulares de uma ou mais classes de ações preferenciais.

Efetivamente este dispositivo legal acaba por criar um poderoso mecanismo capaz de deslocar o poder de controle da companhia ao possibilitar a criação de uma determinada classe de ações com condições de eleger a maioria dos membros do conselho de administração da companhia, além de exercer o direito de veto com relação às alterações dos estatutos da companhia.

Calixto Salomão Filho[42], analisando especificamente este assunto argumenta que “é preciso reconhecer que esse mecanismo constitui poderoso instrumento de deslocamento do controle. Através dele é efetivamente possível estabelecer uma quinta forma de controle, não redutível a qualquer das quatro identificadas por Berle e Means. Trata-se do controle gerencial de direito, que não se confunde com o controle gerencial de fato identificados pelos famosos autores, que decorre da mera diluição acionária.”

De fato, o artigo 18 supra mencionado é instrumento eficaz para o estabelecimento de um efetivo controle de uma classe de ações, cujos detentores poderão diretamente imprimir sua vontade nos rumos da companhia, especialmente através da escolha dos seus administradores, e, exercendo sobre eles inegável ascensão.

Se é assim, aplicável aos detentores desta classe de ações todas as regras atinentes ao controlador, especialmente o que diz respeito às suas responsabilidades como tal. No entanto, se se verificar que possíveis prejuízos à companhia ocorreram em decorrência de ações praticadas pelos administradores sem a participação dos detentores das golden share, evidentemente não há que se falar em responsabilidade por abuso de poder, mas sim aquela referida nos artigos 153 a 160 da Leis das S/A.

VIII – Conclusão

A preocupação relacionada com o poder de controle nas sociedades anônimas está diretamente ligada à maturidade do mercado de capitais. Ou seja, quanto mais encontramos sociedades cujo controle é considerado como minoritário ou até mesmo gerencial, maior a pulverização das ações desta sociedade no mercado, fato este que sinaliza uma confiança dos investidores no sistema encarregado de controlar e fiscalizar a atuação daqueles que detém em suas mãos os destinos da companhia.

Ora, na verdade, a efetiva e real desvinculação da propriedade em relação ao poder de controle – sinalização de uma economia desenvolvida – nos moldes estudados por Berle e Means, somente é possível diante de um sistema legal dotado de mecanismos confiáveis e eficazes de proteção dos acionistas que fazem parte do bloco que não detém o poder de controle.

Um mecanismo de responsabilização dos controladores pelos atos praticados por meio deste poder é de fundamental importância para dotar o sistema da tão necessária confiabilidade. Sem dúvida o parágrafo único do artigo 116 da LSA cumpre papel importantíssimo neste contexto, na medida em que, indiscutivelmente, aplica o primado constitucional da função social da propriedade ao exercício do poder de controle, fazendo com que não só os acionistas destituídos de poder, como a própria coletividade, possa fiscalizar e, se necessário, combater os excessos que por ventura venham a ser praticados pelo controlador.

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[1] – Guilherme G. Cunha Pereira nos lembra que “O poder de controle normalmente não suprime as instâncias decisórias instituídas pela lei ou pelos estatutos. Ao contrário, serve-se dessas instâncias para alcançar suas finalidades.” (A alienação do poder de controle acionário, ed. Saraiva, 1995, p.10)
[2] – Cf. Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, vol.II, pp. 119/120, que exemplifica este estado de coisas lembrado que a família Rockfeller, muito embora detivesse o controle sobre a companhia Standard Oil of New Jersey, sua participação acionária não passava dos 5% do capital social.
[3] – New York, Macmillan, 1940.
[4] – Argumenta Calixto Salomão Filho que ”É conclusão pacífica da investigação moderna a dissociação operada pela economia capitalista entre propriedade e controle. Na medida em que a organização societária torna-se mais complexa e profissional, tanto menor torna-se a influência do acionista individual, transformado em mero investidor, nas decisões societárias. (O novo direito societário, ed. Malheiros, 1998, p.160.)
[5] – Comparato lembra que a separação entre propriedade e controle da sociedade anônima não foi uma descoberta de Berle e Means, já que Karl Marx já havia se manifestado sobre este assunto nos seguintes termos: “A produção capitalista chegou a um ponto em que o trabalho de direção, completamente separado da propriedade do capital, é por todos admitido, de tal arte que doravante o capitalista não tem mais necessidade de exercer pessoalmente esta função. Um maestro não precisa de modo algum ser proprietário dos instrumentos da orquestra que dirige, nem lhe compete tratar do salário dos seus músicos.” (“Aspectos Jurídicos da Macro-Empresa, ed. RT, 1970, pp. 71/72)
[6] – Cf. Fábio Konder Comparato, ob. sup. p. 69.
[7] – Curso de direito comercial, v.2, ed. Saraiva, pp. 276/277.
[8] – Calixto Salomão Filho, “Direito concorrencial, as estruturas”, ed. Malehiros, 1998, pp. 235/236, fazendo referência a ensaio publicado por Nelson Eizirik “O mito do ‘controle gerencial’ – alguns dados empíricos’, in Revista de direito mercantil 66/104.
[9] – “Corporate power and responsability: issues in the theory of company law” Claredon Press, Oxford, 1996, p.61
[10] – Cf. J.E.Parkinson, ob.cit. p. 161.
[11] – O mesmo autor supra mencionado lembra que a idéia de atenuação severa do poder de controle acionário somente foi aceita na Ingralterra em 1945. Naquele ano o comitê ”Cohen” sucintamente explicou este fenômeno, nos seguintes termos: “A natureza ilusória do controle teoricamente exercido pelos acionistas sobre os diretores tem sido acentuada pela dispersão do capital entre um crescente número de pequenos acionistas que prestam pouca atenção em seus investimentos enquanto dividendos satisfatórios estiverem sendo percebidos”. Ob. cit. p. 60
[12] – Lei nº 6.404/76, artigo 116.
[13] – Cf. Leslie Amendolara, “Os direitos dos acionistas minoritários”, ed. STS, 1998, pp. 118/119.
[14] – O conselho fiscal nas companhias brasileiras, ed. RT, 1988, pp.49/52.
[15] – O poder de controle …, p. 295.
[16] – Comparato, “O poder de controle …, p. 300.
[17] – Cf. José Alexandre Tavares Guerreiro, “Sociologia do poder na sociedade anônima”, RDM 77/52, que alega que, se de um lado os administradores detém independência em relação ao controlador, tal independência é configurada como “independência não garantida”.
[18] – Curso de direito administrativo, S.Paulo, 8ª ed., ed. Freitas Bastos, 1967, p.44/47.
[19] – Cf. Celso Antonio Bandeira de Mello, que ao fazer um paralelo entre a atividade discricionário do administrador e a atividade jurisdicional do juiz, brilhantemente assinala que “O específico da função jurisdicional é consistir na dicção do direito no caso concreto. A pronúncia do juiz é a própria voz da lei in concreto. Esta é sua qualificação de direito. Logo, suas decisões não são convenientes ou oportunas, não são as melhores ou as piores em face da lei. Elas são pura e simplesmente o que a lei, naquele caso, determina que seja. Por isso ao juiz jamais caberia dizer que tanto cabia uma solução quanto outra (que é o característico da discrição), mas que a decisão tomada é a que o Direito impõe naquele caso. Por isso, um Tribunal, quando reforma uma sentença, não o faz, nem poderia fazê-lo, sub color de que a decisão revisada poderia ter sido aquela, mas que a ele parece preferível outra mais conveniente aos intereses em disputa. A reforma da sentença estará sempre fundada em que o que nela se decidiu estava errado perante o Direito, o qual exigia outra solução para a questão vertente, pois o título competencial do magistrado é o de dizer o que o direito quer em um dado caso controvertido submetido a seu pronunciamento. …” Discricionariedade e controle jurisdicional, 2ª ed., ed. Malheiros, 1993, p.26. Ver também Eros Roberto Grau, Poder discricionário, “in” RDP 93, p. 41.
[20] – Lucia Valle Figueiredo enfatiza que “diante de determinado conceito, há, inicialmente, necessidade de interpretação. Interpretando o conceito, teremos subsunção. Na subsunção verificar-se-á a premissa menor, o fato, a premissa maior, a norma geral ou o conjunto de normas.”, argumentando em seguinda que é possível haver subsunção mesmo diante de conceitos imprecisos, pois, citando Enterría, argumenta que “o juiz deve trazer o conceito à zona de certeza”. Ação civil pública, considerações sobre a discricionariedade na outorga e no pedido de suspensão da liminar, na concessão de efeito suspensivo aos recuroso e na tutela antecipatória. “in” Ação civil pública, Lei 7.347/85 – reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação, coord. Édis Milaré, S. Paulo, Ed. RT, 1995, p336.
[21] – Cf. Eros Roberto Grau, Poder discricionário, “in” RDP 93, p. 58.
[22] – Sobre os conceitos vagos, Arruda Alvim em seu excelente trabalho “A arguição de relevância no recurso extraordinário”, com habitual profundidade e sabedoria justifica sua existência tendo em vista que a “Flexibilização do Direito – quer nos parecer – tem encontrado nos conceitos vagos um instrumento idôneo para, em certa escala, ocorrer a uma tentativa de u’a maior individualização, o que, a seu turno, responde a uma desejo de ‘Justiça’, a ser mais diferenciadamente concretizado, e isto é indispensável a uma sociedade ‘heterogênea’”, abrindo assim, segundo o autor, “margem a uma interpretação afeiçoada às peculiariedades do caso concreto, e, pois, à individualização de todas as hipóteses à luz da ‘ratio legis’”. p.14.
[23] – Cf. Teresa Arruda Alvim Wambier, ”O novo regime do agravo”, Ed. RT, 1995, p. 201.
[24] – Cf. Marcia Carla Pereira Ribeiro, “Sociedade de economia mista e empresa privada”, ed. Juruá, Curitiba, 1999, p.55.
[25] – “O poder de controle … cit., p. 81.
[26] – “O poder de controle … cit., p. 67.
[27] – “Comentários à lei das sociedades anônimas”, 1998, v.4, tomo II, p.39.
[28] – “Proteção às minorias na sociedade anônima”, ed. Biblioteca pioneira do direito empresarial, p. 100.
[29] – Luiz guilherme Marinoni, “Tutela inibitória: individual e coletiva”, Ed. RT, 1998, p. 26/28., que assevera com propriedade que: “A tutela ressarcitória, na maioria das vezes, substitui o direito originário por um direito de crédito equivalente ao valor do dano verificado e, nesse sentido, tem por escopo apenas garantir a integridade patrimonial dos direitos; já a inibitória, que não tem qualquer caráter sub-rogatório, destina-se a garantir a integridade do direito em si.”
[30] – Tutela Jurisdicional nas Obrigações de Fazer e Não Fazer, in Reforma do Código de Processo Civil, ed. Saraiva, 1996, pp.259/260.
[31] – Antecipação de tutela e obrigação de fazer e de não fazer”, in Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela, ed. RT, 1997, p.465. (grifo nosso)
[32] – Código de Processo Civil Comentado, ed. RT, 3ª ed. p.673.
[33] – Modesto Carvalhosa, ob.cit. v. 2, p.450.
[34] – Vale lembrar que o artigo 117, letra “d” da LSA é clara ao estabelecer que o acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder, e, entre estas atos, elenca o fato de eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente.
[35] – Carvalhosa chega a sustentar que a partir dos anos 90 não mais interessa ao governo incentivar a formação de um mercado de capitais fundado no investidor individual com recursos e poupação em moeda nacional, já que estaria ele buscando atrair os enormes excedentes de recursos financeiros encontrados no mercado internacional. Ob.cit. v.4, p. 149.
[36] – “Reforma das S.A e do mercado de capitais” Rio de Janeiro, ed. Renovar, 1998, p. 87/92.
[37] – “O novo direito societário”, ed. Malheiros, 1998, p.137.
[38] – Tavares Borba sustenta que “Dois ou mais acionistas, que isoladamente não são capazes de controlar a sociedade, poderão, por via do acordo, alcançar a supremacia nas assembléias.” Direito societário”, ed. Freitas Bastos, 4ª ed., p. 308.
[39] – Curso de direito comercial, v.2, 1999, p.309.
[40] – Cf. Fábio Ulhoa Coelho, ob.sup., p. 303.
[41] – Ob.Sup. p. 307/308.
[42] – O novo direito societário”, Malheiros, 1998, p.165.

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