Os limites da cláusula penal, após 2 anos de vigência da Lei do Distrato Imobiliário

O crescimento do setor da construção civil se encontra vinculado ao interesse do investidor, que ao alocar recursos em incorporações imobiliárias, analisa as variantes econômicas que influenciam no risco do negócio. Uma delas, de grande relevância, é a segurança jurídica nas relações típicas da aquisição de unidades imobiliárias.

A rescisão dos contratos de compra e venda e dos contratos de promessa de compra e venda de unidade imobiliária na planta, em razão do seu potencial de causar reflexos financeiros altamente indesejáveis na operação do(a) Incorporador(a), foi objeto de regulação na Lei Federal 13.786/18, conhecida como a “Lei do Distrato Imobiliário”.

Do escopo da lei, extrai-se o objetivo de mitigar os efeitos da rescisão dos contratos imobiliários, notadamente quando essa quebra contratual decorre da conduta do adquirente, seja por sua culpa (inadimplência financeira) ou ato de mera liberalidade. Em tal situação, recorrente no mercado, ampla gama de contratos e obrigações vinculados ao empreendimento imobiliário acaba sendo afetada: financiamentos bancários, serviços de corretagem, custos da operação, tributos, dentre outros.

Nesse sentido, dispôs o art. 67-A que, desfeito o negócio por culpa ou liberalidade do adquirente, diversas deduções podem ser promovidas pelo(a) Incorporador(a) das quantias já pagas e que deverão ser restituídas ao adquirente. Dentre elas, poderá ser previsto no contrato uma cláusula penal de até 50% sobre os valores já pagos – caso a incorporação se submeta ao patrimônio de afetação (separação patrimonial de bens do incorporador para uma atividade específica) – ou de 25% nos demais casos.

A vigência da lei teve início em 27 de dezembro de 2018. Desde então, diversos contratos firmados sob a sua égide vêm sendo analisados pelo judiciário, e a despeito da previsão expressa do art. 67-A, o que tem se verificado até aqui é a manutenção do estado de insegurança jurídica quanto aos limites da pena convencional devida pelo adquirente.

Retrato dessa situação é o julgamento[1] do recurso de Apelação Cível nº 1065981-86.2019.8.26.0100, da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde restou assentado que, muito embora haja a previsão do art. 67-A quanto aos limites máximos de retenção, tal fato não obsta a dedução de valores em montante inferior do que foi previsto, caso verificado, pelo magistrado, a ocorrência de onerosidade excessiva em face do adquirente.

Na hipótese, o contrato trazido aos autos, referente a empreendimento imobiliário submetido ao patrimônio de afetação, possuía a expressa previsão de que, desfeito o negócio por culpa do adquirente, incidiria de pleno direito a multa rescisória de 50% (cinquenta por cento) sobre as quantias já pagas à Incorporadora. Exatamente como autoriza o art. 67-A, § 5º da referida lei[2].

Em 1º grau, o juiz considerou que a rescisão do instrumento de promessa de compra e venda de unidade na planta decorreu da culpa exclusiva do adquirente, pois não conseguiu financiamento bancário para quitar o contrato. Todavia, em que pese a previsão contratual, afirmou na sentença que “a retenção em 15% do valor pago é suficiente para indenizar os prejuízos oriundos da rescisão contratual pela desistência do promitente comprador”.

A Incorporadora interpôs recurso de apelação contra a sentença, demonstrando a validade da disposição contratual que previu a multa rescisória de 50%, eis que amparada na expressa previsão legal.

Todavia, o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar o recurso, considerou que o percentual de retenção de 50% das quantias pagas representaria desequilíbrio entre as partes, em desvantagem excessiva à compradora e enriquecimento ilícito da Incorporadora, mantendo, assim, o entendimento da 1ª instância de que era necessária a intervenção judicial nas cláusulas do contrato.

Por meio deste julgamento, conclui-se que mesmo sob a vigência da Lei do Distrato Imobiliário (13.786/18), a qual visa precipuamente aumentar a segurança jurídica, o(a) Incorporador(a) precisa tomar cautelas quando da elaboração dos instrumentos de compra e venda e promessa de compra e venda de unidades imobiliárias, evitando surpresas indesejáveis quando da sua discussão em juízo.

Para esclarecimentos adicionais sobre esse tema, consulte-nos.

Marins Bertoldi Advogados

 

[1] Ocorrido em novembro/2020.

[2] Quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-F desta Lei, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente, admitindo-se, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga.

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