Projeto de reforma da legislação das sociedades limitadas

Desde sua criação, as sociedades limitadas foram tratadas não apenas como mais uma dentre tantas espécies societárias. Elas foram concebidas como instrumento de promoção do desenvolvimento econômico nacional, na medida em que vieram para reduzir custos e riscos envolvidos no desenvolvimento de atividade empresarial, especialmente de pequeno e médio porte.

No Brasil, as sociedades limitadas foram criadas com a edição do Decreto-lei 3.708, em 1919. Sua principal característica era a simplicidade. Havia poucas normas (18 artigos), de caráter eminentemente principiológico. A regulamentação específica da sociedade ficava para o contrato social.

Havia quem dissesse que a falta de regulação era o principal defeito da lei, em razão da insegurança jurídica que naturalmente surge onde a lei não prevê as soluções para os eventuais problemas. Estou entre os que acham o contrário. Acredito que o caráter meramente principiológico era a melhor das características da lei anterior, já que havia grande flexibilidade para a constituição de diferentes formas de sociedades limitadas, por meio das regras que fossem inseridas no contrato social.

Este tempo de simplicidade normativa acabou com a edição do Código Civil, em 2002. Dezenas de disposições legais regulamentam pesadamente a forma de funcionamento das limitadas. Em certos aspectos, entre os quais se destacam as deliberações sociais, as regras do Código Civil impõem um procedimento mais complexo do que o previsto para as sociedades anônimas, o que é, no mínimo, um contrassenso.

Além de serem muitas as normas, há várias delas que são objeto de merecidas críticas da doutrina nacional. Podemos citar, entre várias outras, as normas presentes no art. 977 (que proíbe a sociedade entre marido e mulher casados no regime de comunhão universal ou no de separação obrigatória), no art. 1.052 (que não acolhe a possibilidade de constituição de sociedade com apenas um sócio), no art. 1.033, III (que autoriza a dissolução da sociedade pela vontade da maioria), no art. 1.072 (que inutilmente prevê dois procedimentos distintos para a tomada de deliberações sociais) e no art. 997, III (que autoriza a integralização do capital social com bens estranhos ao objeto social).

Durante algum tempo, houve a esperança de que grande parte dos equívocos presentes em nosso Código fosse corrigida pelo Projeto Fiúza. Mas o projeto acabou sendo arquivado sem maior análise.

Nossas esperanças agora se voltam para o Projeto de Lei 3.667-C, originário da Câmara dos Deputados, que tem por objeto várias normas referentes às sociedades limitadas, além de regras processuais para a dissolução e liquidação destas sociedades.

Após aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, a matéria foi remetida em dezembro de 2007 ao Senado Federal, onde aguarda a designação de relator.

No campo do direito material, as alterações propostas pelo Projeto são as seguintes:

a) responsabilidade pessoal dos sócios, fundada na ausência de integralização do capital social, somente seria aplicável em caso de falência. Trata-se do resgate de um antigo debate doutrinário. A solução não nos parece a melhor. Mas a matéria não tem grande relevância prática, seja porque a imensa maioria das sociedades têm seu capital social plenamente integralizado, seja porque todo o debate quanto à responsabilidade pessoal dos sócios depende de uma correta interpretação das normas relativas à desconsideração da personalidade jurídica;

b) simplifica-se a norma presente no art. 1.053, voltando-se a se fixar a lei das sociedades anônimas como fonte normativa aplicável em caso de lacuna no Código Civil e no contrato social. Além disso, determina-se a aplicação, em qualquer caso, das regras constantes dos arts. 1.010, 1.024 e 1.028 a 1.038, todas colocadas no capítulo das sociedades simples. A volta da sistemática anteriormente constante do art. 18 do Decreto 3.708, somada à compreensão de que a aplicação das normas da LSA não será automática (dependendo de um prévio juízo de adequação à estrutura jurídica e econômica da sociedade limitada envolvida na lide), eliminará alguns erros grosseiros de interpretação que temos visto. Outro problema que se resolve é o relativo ao direito de saída voluntária imotivada em sociedades por prazo indeterminado. Parte da doutrina vem manifestando seu entendimento no sentido da não recepção deste direito pelo Código Civil (com o que não concordamos, até mesmo em vista do art. 5.º, XX, da Constituição Federal). Se o texto vier a ser aprovado, encerra-se a discussão, garantindo-se aos sócios o direito de sair da sociedade a qualquer momento, dela recebendo haveres;

c) O projeto prevê uma simplificação do inacreditável sistema de assembleias e reuniões sociais previsto no Código Civil. Ainda que ainda não tenha sido incluída na reforma a eliminação da duplicidade de procedimentos, resolve-se o grave problema da miríade de quóruns deliberativos previstos pela lei. Voltaria, se aprovado o texto, a simples e lógica regra segundo a qual as deliberações podem ser tomadas pelo voto de sócios que representem mais da metade do capital social. Outra simplificação é a exigência de realização da assembleia anual (art. 1.078) apenas nas sociedades compostas por mais de dez sócios;

d) Uma situação bizarra encontrada no Código Civil é a repetição de textos legais, envolvendo os arts. 1.072, § 6.º, e 1.079. O projeto cria uma norma concreta para o art. 1.079, ao prever solução para uma situação pouco comum. Quando uma sociedade participa do capital de outra, na condição de controladora, os sócios desta devem deliberar a respeito da forma como votarão na assembleia da controlada. A proposta prevê que, em caso de empate na deliberação relativa à forma como a sociedade controladora votará na assembleia da controlada, podem os sócios da controladora participar diretamente da assembleia da controlada, votando pessoal e proporcionalmente à sua participação no capital da controladora;

e) A nova redação proposta ao art. 1.085, que trata da exclusão de sócio, talvez contenha simplificações excessivas. Há um erro evidente na norma constante do atual art. 1.085, consistente na necessidade de anterior autorização contratual para o procedimento extrajudicial de exclusão. Mas diversos outros conteúdos da norma vigente, não repetidos na proposta de alteração legislativa, mostram-se corretos. Se considerarmos o potencial de lides no campo das exclusões de sócios, concluiremos que seria conveniente uma norma que evitasse maiores problemas de interpretação; e

f) A última das disposições de direito material incluída no projeto é a garantia de recebimento de haveres em qualquer hipótese de dissolução parcial de sociedade. Este direito já era reconhecido, mas a nova redação proposta ao art. 1.086 mostra-se mais completa do que a anterior.

O projeto, como referido, ainda trata de normas processuais relativas à dissolução e liquidação judicial das sociedades limitadas. Vale lembrar que estas matérias continuam sendo reguladas pelas disposições do Código de Processo Civil de 1939 (arts. 655 a 674). Cabe aos processualistas analisar a pertinência das reformas propostas.
Um comportamento comum da classe acadêmica é se pronunciar sobre as novas leis apenas no momento em que as mesmas são aprovadas. Normalmente, as manifestações são críticas às oportunidades perdidas e aos erros injustificáveis. Muito mais coerente e eficiente é tornar público o debate sobre os textos legais enquanto eles estão em tramitação.

Considerando a relevância econômica das sociedades limitadas, bem como a ausência de previsibilidade do processo legislativo brasileiro, mostra-se fundamental o debate quanto à proposta de reforma das sociedades limitadas. Somente desta forma será possível a correção de rumos e, principalmente, a inclusão, neste Projeto de Lei, de outras matérias cuja reforma é absolutamente necessária.

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