Quem é o empresário brasileiro?

Um preconceito comum entre os aplicadores do direito é imaginar o empresário como alguém que merece uma tutela jurídica mais rigorosa do que outras categorias. Sendo o agente mais visível de uma estrutura capitalista que carrega o peso da culpa pelas mazelas sociais, o empresário tende a ser considerado o vilão da história. De qualquer história.

É em razão deste preconceito que se consolidam decisões que afastam o benefício legal da limitação da responsabilidade de sócios de sociedades limitadas (sob o argumento de que quem recebe os lucros deve pagar por qualquer espécie de dano que decorra da atividade empresarial), ou que consideram o empresário o culpado presumido em qualquer litígio de ordem contratual ou obrigacional. Presume-se que o agente do capitalismo maquiavelicamente engane a tudo e a todos para concretizar seu intento lucrativo. Mas, se atentarmos para a realidade do empresariado brasileiro, seremos forçados a rever muitos de nossos preconceitos contra a classe empreendedora.

O empresário médio não é um sujeito que fuma charutos caros à custa da exploração da mão de obra alheia. Também não é o agente que canaliza a mais valia pelo simples fato de ter recursos suficientes (muitas vezes obtidos de formas ilegítimas) para a aquisição de maquinário, ou de outros elementos de produção. O pequeno e médio empresário brasileiro (que gera cerca de 97% dos postos de trabalho no país) é um trabalhador com poucos recursos, pouco preparo e pouco apoio governamental.

Há uma forma de classificação dos empresários, desconsiderada na prática judicial, que distingue os empreendedores por vocação daqueles que atuam movidos pela necessidade. Os primeiros usualmente recebem uma prévia formação específica que lhes confere um grande diferencial em termos de eficiência no desenvolvimento da atividade. Formação que pode ser obtida pelos meios acadêmicos tradicionais ou pela observação e compreensão da atividade desenvolvida por pessoas próximas, principalmente pelas gerações mais velhas de sua própria família.

Mas também há os empreendedores por necessidade. Estes são os que ingressam em uma atividade empresarial como última alternativa de sustento de sua família. Normalmente se tratam de pessoas que não tiveram acesso ao mercado de trabalho formal, ou que perderam seu emprego e encontram dificuldades na recolocação profissional.

Esta segunda hipótese é infelizmente bastante encontrada no Brasil, onde a experiência perde em valor para os baixos custos salariais de um empregado em começo de carreira, criando-se um ambiente econômico de pouca assimilação de pessoas que perdem seus empregos. O caminho natural, neste caso, é a utilização das verbas trabalhistas rescisórias para iniciar um negócio próprio. Normalmente, estes empreenderes obtêm sua formação técnica com os erros que advêm da experiência.

De acordo com os últimos dados da pesquisa feita anualmente, desde 1999, pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM), 55,4% dos empreendedores brasileiros foram movidos pela falta de trabalho, e não pela vocação. Trata-se do maior índice de empreendedorismo por necessidade entre os 37 países pesquisados. Este dado força os aplicadores do direito a uma revisão de sua visão genérica do empresariado.

Não se pode questionar o tratamento judicial diferenciado concedido em favor de consumidores e trabalhadores, nas demandas consumeristas e trabalhistas. Em ambos os casos, presume-se sua hipossuficiência frente aos fornecedores e empregadores. Mas o fato de o Direito conceder uma condição processual privilegiada a estas categorias não pode significar que o empresário (que é usualmente o empregador e o fornecedor) seja tomado como um presumido inimigo da ordem social.

Ao contrário, hoje é simples perceber que o desenvolvimento dos padrões sociais depende de apoio institucional ao empreendedorismo, já que a geração de empregos é o primeiro passo para o combate à pobreza. Para tanto, é importante perceber tanto que o empreendedor não é um agente contrário à ordem social, quanto que ele também merece um tratamento diferenciado, que o estimule à manutenção e ampliação de suas atividades.

Evidente que com isso não se quer propor o fim do tratamento diferenciado corretamente concedido em favor de trabalhadores e consumidores. O que se pretende é a extensão deste tratamento diferenciado ao empresário em outras demandas, que não as trabalhistas e consumeristas. Ao menos, enquanto não se consolidar o entendimento no sentido da necessidade de estimular institucionalmente a atividade econômica, espera-se que seja afastado o preconceito contra a classe empresarial, que certamente está na origem de equivocadas interpretações no campo do direito empresarial, como as relativas à responsabilidade pessoal de sócios, à responsabilidade pela transferência de estabelecimentos empresariais, à responsabilidade pessoal de administradores de sociedades limitadas, à interpretação de contratos empresariais e a tantas outras matérias que pretendemos tratar individualmente em outras semanas.

A imagem que fica da pesquisa referida é que a maior parte dos empreendedores brasileiros são pessoas que acharam uma saída quando tiveram que enfrentar o problema do desemprego. E, assim como foram protegidas pelo ordenamento jurídico no triste momento de sua demissão, devem contar a manutenção deste apoio quando, por seu esforço pessoal, encontrem uma alternativa empreendedora que viabilize o sustento de sua família.

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