Responsabilidade dos conselheiros de administração pelas dívidas da sociedade

Talvez a característica essencial do direito societário brasileiro seja o elevado nível de risco pessoal que se impõe sobre sócios e administradores de sociedades empresárias. O risco é tão elevado que soa infantil ler o art. 1.052 do Código Civil a alguém que pretenda iniciar uma atividade empresarial. E sobre os administradores pende um regime ainda mais severo.

Os efeitos desta linha de aplicação do direito societário são óbvios: muitos potenciais empreendedores (em especial os cumpridores de suas obrigações) não têm como assimilar o padrão de risco imposto pela lei, e deixam de criar novas empresas. E assim o país se arrasta com seu crônico problema de desemprego.

Outro assunto que toma a pauta do atual direito societário brasileiro é a governança corporativa. A busca pela transparência e pela agilidade na gestão constitui um Norte que está sendo buscado por um número cada vez maior de companhias brasileiras.

Dentre as estratégias mais básicas da governança corporativa está a instituição de conselhos de administração, e em especial daqueles integrados por membros externos, que, com sua experiência, podem trazer relevantes contribuições para a fixação da orientação geral dos negócios da sociedade.

Em princípio, as questões da responsabilidade pessoal dos empreendedores e da governança corporativa parecem distantes entre si. Mas elas se encontram, e deste encontro surge mais um resultado negativo.

Nos termos do art. 145 da LSA, os integrantes do conselho de administração são considerados administradores, juntamente com os diretores da companhia. E sobre eles se aplicam as regras, previstas pela lei ou construídas pela jurisprudência, de responsabilidade pessoal.

Na prática, bem sabemos que as atuações de conselheiros e diretores são absolutamente distintas. Os diretores dedicam-se plenamente aos negócios sociais, envolvendo-se diretamente no dia a dia de suas operações. Já os conselheiros de administração participam de reuniões periódicas (usualmente mensais), e não têm poder de representação social.

Mas a lei, talvez focando mais nos requisitos pessoais da investidura do que as consequências de sua atuação, colocou conselheiros e diretores em uma mesma categoria.

O problema ganha corpo quando se constata que, especialmente nos campos tributário e trabalhista, criou-se um pesado regime de responsabilização pessoal dos administradores da sociedade.

O resultado final é o seguinte: uma sociedade que busque transparência e modernidade no processo decisório terá no conselho de administração o mais eficiente instrumento jurídico. Ao instituir tal conselho, esta sociedade constatará desde logo as vantagens de contar com conselheiros externos, que trazem consigo uma visão não viciada pela história corporativa. Mas, ao se perceber que estes conselheiros que em realidade têm pouca proximidade com a gestão direta dos negócios sociais podem ser pessoalmente envolvidos em ações trabalhistas movidas contra a sociedade, provavelmente irão recuar na adoção desta estrutura de gestão social.

O risco trabalhista está sempre presente. Mesmo as sociedades que busquem o cumprimento de absolutamente todas as obrigações previstas pela lei podem (e usualmente são) surpreendidas por demandas trabalhistas.

Quando se admite que a execução de uma sentença condenatória pode ser direcionada contra o patrimônio de um conselheiro de administração (inclusive sobre suas contas bancárias), bem se percebe o risco que se corre ao se convidar pessoas de destaque para integrar o conselho. Quanto mais destaque tiver esta pessoa, mais o conselho sairia enriquecido; contudo, maior também seria o risco de ter que enfrentar os dissabores derivados de uma penhora de bens ou saldos de contas bancárias desta pessoa.

Mais uma vez, parece que os pensadores do direito não estão levando em consideração a realidade da administração de uma empresa. Não compreendem a forma de funcionamento de um conselho de administração, nem a importância de contar com membros externos. Para que se pudesse regular com eficiência a atividade econômica, seria necessário bem compreender o seu funcionamento concreto, e não aplicar o simples preconceito que se tem contra a atividade empresarial e as pessoas que a conduzem.

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