Sociedades unipessoais de responsabilidade limitada

Há pouco mais de uma semana, teve início a tramitação de mais um projeto de lei no sentido de instituir no Brasil as sociedades unipessoais de sociedade limitada. Trata-se da quinta tentativa de reforma legislativa desde a edição do Código Civil de 2002.
A intenção da proposta legislativa é nobre e conhecida. Busca-se essencialmente limitar a responsabilidade de empreendedores individuais, o que fomentaria a atividade empresarial de pequeno porte em nosso país. Além disso, a regularização jurídica dos pequenos empreendimentos facilitaria a arrecadação de tributos.

A quase unanimidade da doutrina afirma a necessidade de adoção desta forma societária no Brasil. Criar as sociedades unipessoais significaria seguir o exemplo da grande maioria das nações economicamente desenvolvidas, que de há muito preveem mecanismos de limitação da responsabilidade dos empreendedores individuais.

Como já tive a oportunidade de revelar anteriormente, nesta mesma coluna, não me anima muito a proposta legislativa.

Atualmente não reconhecemos a limitação de responsabilidade dos sócios de uma sociedade limitada. Impomos a estes um regime de responsabilização pessoal irrestrita pelas dívidas derivadas da atividade social. Assim, enquanto não mudarmos este entendimento distorcido e contrário ao art. 1.052 do Código Civil, de nada adianta criar as unipessoais. Os empreendedores individuais assumirão um risco pessoal igual ao assumido pelos empresários individuais. Não haveria, assim, vantagem real na inovação legal.

Vamos, contudo, acreditar numa reformulação do entendimento doutrinário e jurisprudencial a respeito da responsabilidade pessoal de sócios e administradores. A esperança é a última que morre. Neste caso, torna-se interessante analisar os termos da nova proposta de instituição das unipessoais no Brasil.

O texto proposto (reproduzido no quadro) está longe de ser tecnicamente correto. Começa por manter a clássica confusão entre empresa e sociedade. No Brasil, empresa não é sujeito de direito. Aliás, no Brasil, empresa nem mesmo é diretamente tutelada pelo ordenamento jurídico. Trata-se, como bem expôs o mestre Rubens Requião, de uma abstração. Assim, melhor seria substituir a expressão “empresa individual de responsabilidade limitada” por “sociedade unipessoal de responsabilidade limitada.”

Sabemos que a forma societária não é a única saída possível para que se confira limitação de responsabilidade aos sócios. Seria viável, por exemplo, atribuir personalidade jurídica aos empresários individuais (criando-se em consequência um patrimônio autônomo) ou personificar os estabelecimentos empresariais organizados por um só empreendedor, como ocorreu em Portugal.

Mas a proposta claramente adota a opção societária, ao tratar de capital social (cuja totalidade das quotas pertenceria ao sócio único). Assim, o caminho mais simples seria alterar a redação conferida ao art. 1.052 do Código Civil, fazendo simples referência à possibilidade de a sociedade limitada ser constituída por apenas um sócio.

Ou seja: adota-se a solução societária, mas se propõe a alteração de um dispositivo legal descolado das sociedades limitadas. Mais: confunde-se empresa com sociedade, e sócio com empresário. Por fim, não se regula questões importantes, como a forma de constituição (haveria um contrato social ou um documento análogo ao requerimento de empresário?), o procedimento para a tomada de deliberações sociais, a possibilidade de designação de um administrador não sócio e outras tantas.

O resumo é desanimador. Estamos atrasados ao não termos a figura da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada.

Estamos mais atrasados ao não aplicarmos corretamente o conceito de limitação da responsabilidade dos sócios de uma sociedade limitada pluripessoal, acreditando que a desconsideração da personalidade jurídica é a regra. E, quando resolvemos alterar a lei, agimos por impulso, sem reflexão quanto às muitas e profundas questões jurídicas envolvidas na adoção desta nova estrutura empresarial.

“Art. 985-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural, que é o titular da totalidade do capital social e que somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade.

§ 1.º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.

§ 2.º A firma da empresa individual de responsabilidade limitada deverá ser formada pela inclusão da expressão “EIRL” após a razão social da empresa.

§ 3.º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio pessoal do empresário, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue à Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.

§ 4.º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada os dispositivos relativos à sociedade limitada, previstos nos arts. 1.052 a 1.087 desta lei, naquilo que couber e não conflitar com a natureza jurídica desta modalidade empresarial.”

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