Entendimento do STJ acerca da dissolução parcial da S/A de capital fechado

O presente artigo tem por objetivo examinar o estado atual da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a dissolução parcial da sociedade anônima de capital fechado, com base na quebra da affectio societatis, na medida que a Lei nº 6.404/1976 (“Lei das Sociedades por Ações”) define as hipóteses específicas em que um acionista poderá se retirar da sociedade, mediante reembolso do valor das suas ações, não compreendendo a ruptura como uma destas hipóteses.

A controvérsia objeto deste estudo consiste em compreender se o acionista pode pleitear judicialmente a dissolução parcial da sociedade anônima por quebra da affectio societatis, ou se esse direito somente pode ser exercido no âmbito das sociedades limitadas, que possuem como característica ser intuitu personae (isto é, quando a pessoa do sócio importa para a formação do quadro societário).

Traduzindo em termos legislativos, há previsão expressa de apenas duas hipóteses para a dissolução parcial das sociedades anônimas:

i) por direito de recesso do acionista, previsto no art. 137 da Lei 6.404/76; e

ii) impossibilidade de preencher a finalidade social, prevista no art. 599, § 2º do Código de Processo Civil c.c. art. 206, inciso II, ‘b’, da Lei 6.404/76.

Assim, do ponto de vista normativo, a quebra da affectio societatis não está incluída nas hipóteses de dissolução parcial.

Por affectio societatis, conclui-se que a constituição de uma sociedade é um jogo de confiança entre os sócios, de caráter contínuo e duradouro[1]. A confiança faz com que haja uma cooperação mútua entre os sócios da sociedade, fazendo com que a sociedade sobreviva no mercado de forma duradoura. Verifica-se, portanto, que há uma vontade forte dos sócios de se associarem, de formar a sociedade, para obter resultados comuns que, isoladamente, talvez não pudessem ser plenamente obtidos.

Por sua vez, a sociedade de capital, segundo Rizzardo[2], “busca a força do poder econômico, a capacidade de injetar recursos, o investimento que é feito, as estratégias engendradas para a captação de parcela do mercado”. Há, portanto, uma união de capitais e não de pessoas, que é o denominado intuito pecuniae.

A compreensão da diferença entre sociedade de pessoas e sociedade de capital é de suma importância, pois ao se analisar a posição dos Tribunais de Justiça pátrios é possível verificar a existência tanto de decisões que deferem quanto que indeferem os pedidos de dissolução parcial das sociedades anônimas de capital fechado. As decisões de indeferimento são fundamentadas na ausência de affectio societatis.

Todavia, o argumento acima não reflete o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, que há muito tempo posiciona-se pela possibilidade de existir affectio societatis nas sociedades anônimas de capital fechado e, consequentemente, a sua dissolução parcial.

A jurisprudência do STJ, desde o julgamento do EREsp 111.294/PR, em 2007, reconheceu a possibilidade jurídica da dissolução parcial de sociedade anônima fechada em que prepondere o liame subjetivo entre os sócios, ao fundamento de quebra da affectio societatis. Posteriormente, nos julgamentos dos recursos EResp 419.174/SP, em 2008; EREsp 1079763/SP, em 2012; REsp n. 1.400.264/RS, em 2017, o STJ consolidou o seu entendimento.

Seguindo a ordem cronológica acima, a qual evidencia o posicionamento firme do STJ sobre a possibilidade de dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado, recentemente a Corte Superior julgou determinado recurso, cujo objeto de discussão era a dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado, momento em que reiterou o seu posicionamento. Veja-se:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL FECHADO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DAS EMPRESAS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM É DA PRÓPRIA COMPANHIA REQUERIDA. SÚMULA N. 83/STJ. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL FECHADO PELA AUSÊNCIA DA AFFECTIO SOCIETATIS. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA N. 83/STJ. CUSTAS DA PERÍCIA. RESPONSABILIDADE DOS REQUERIDOS. REVISÃO DAS CONCLUSÕES DO ACÓRDÃO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

 

  1. Não se verifica a propalada ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, tendo o acórdão recorrido resolvido satisfatoriamente as questões deduzidas no processo, sem incorrer nos vícios de obscuridade, contradição, omissão ou erro material com relação a ponto controvertido relevante, cujo exame pudesse levar a um diferente resultado na prestação da tutela jurisdicional.
  2. Quanto ao reconhecimento do litisconsórcio passivo necessário, observa-se que o acórdão recorrido está de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que é assente no sentido de que a legitimidade passiva ad causam em ação de dissolução parcial de sociedade anônima fechada é da própria companhia.
  3. No que concerne à possibilidade de dissolução parcial da sociedade, percebe-se que o aresto recorrido está em harmonia com a orientação desta Corte Superior, que reconhece “a possibilidade jurídica da dissolução parcial de sociedade anônima fechada, em que prepondere o liame subjetivo entre os sócios, ao fundamento de quebra da affectio societatis” (REsp 1.400.264/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/10/2017, DJe de 30/10/2017).
  4. No que diz respeito às custas da perícia, para o acolhimento do recurso quanto ao ponto, seria imprescindível derruir as conclusões contidas no julgado atacado, o que, forçosamente, demandaria a rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o óbice da Súmula 7/STJ a impedir o conhecimento do recurso especial.
  5. Agravo interno improvido.

(AgInt no AREsp n. 2.359.352/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/11/2023, DJe de 17/11/2023.) (destacamos)

Como pode ser visualizado, ao longo dos anos o STJ construiu posicionamento firme no sentido de que, em que pese não haja previsão legal para dissolução parcial de sociedade anônima por quebra da affectio societatis na legislação em vigor, a dissolução é possível nas sociedades em que prepondere o liame subjetivo entre os sócios – intuito personae, como acontece, por exemplo, com empresas familiares que usam a estrutura da sociedade anônima em seu planejamento, mas conservam o caráter pessoal de sua composição societária.

Além do argumento da pessoalidade, outro fator relevante e presente na jurisprudência do STJ é o princípio da preservação da atividade empresarial. Esse é um dos principais fundamentos que fortalecem o instituto da dissolução parcial, permitindo a continuidade da empresa, ainda que sem previsão legal expressa e constituída sob a forma de sociedade anônima.

Afinal, é mais importante preservar a atividade de uma empresa que gera riqueza e empregos para a sociedade, do que dissolvê-la integralmente por ausência de previsão legal ou manter um conflito societário que pode levar a sua ruína.

Seja qual for a razão do conflito societário e do pedido de dissolução parcial, é imprescindível uma assessoria jurídica especializada. O escritório Marins Bertoldi possui advogados qualificados à prática de Direito Societário, com atuação tanto na assessoria pré-contenciosa, quanto em litígios societários, que podem auxiliar em questões como a discutida no presente trabalho.

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Por Felipe Strassacapa

[1] PIMENTA, Eduardo Goulart. A disciplina legal das sociedades empresariais sob uma perspectiva de direito e economia. Direito & Economia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 250, 2008.

[2] RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 191, 2007

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