A modulação de efeitos das decisões em matéria tributária no STJ

A modulação de efeitos das decisões judiciais, embora não seja instituto tão recente, tem ganhado destaque nos julgamentos de matéria tributária realizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), superando, em muitos casos, a relevância do próprio mérito da discussão. E, invariavelmente, tal tendência mostra sinais de que abrangerá também os julgamentos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), como passamos brevemente a analisar.

Inicialmente, de um passado recente, podemos ressaltar a impactante modulação de efeitos aplicada pelo STF na chamada “Tese do Século” (Tema 69 de repercussão geral – exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins), a qual parece ter sido marco de tendência para o emprego ainda mais recorrente daquele instituto nos julgamentos de alta relevância tributária que se seguiram na Corte Suprema.

Naquela oportunidade, a limitação temporal aplicada pelo STF levou em conta a data do julgamento de mérito do recurso representativo da controvérsia, de modo que o referido julgado somente produziu efeitos a partir da mencionada data (e não para o passado), ressalvados os contribuintes que previamente protocolizaram ações judiciais ou possuíam discussões administrativas. E o entendimento da Corte Suprema para a aplicação da modulação de efeitos levou em conta os impactos financeiros da tese julgada e a superação da jurisprudência até então formada.

Sem adentrar no mérito da utilização da modulação de efeitos como mecanismo de validação de cobranças inconstitucionais e ilegais, realizadas pelo fisco em relação ao período sobre o qual se opera referida modulação, fato é que, a partir deste julgamento paradigma, a aplicação do mencionado instituto tomou o protagonismo da discussão dos temas de maior relevância em matéria tributária, em sua maioria, para limitar o direito reconhecido em favor dos contribuintes.

Para ilustração, citam-se os casos abaixo, dos quais se percebe não haver uma padronização nos marcos para a modulação dos efeitos, sendo, de fato, aplicada conforme o caso concreto. Confira-se:

  • Tema 745 de repercussão geral – Seletividade do ICMS em relação às alíquotas de energia elétrica e serviços de telecomunicação: Produção de efeitos a partir do exercício de 2024, ressalvadas as ações já ajuizadas até o início do julgamento de mérito.
  • Tema 962 de repercussão geral – incidência do IRPJ/CSLL sobre a Taxa Selic advinda da repetição de indébito tributário: Produção dos efeitos a partir da ata de julgamento de mérito, ressalvadas as ações ajuizadas até o início do julgamento de mérito e os fatos geradores, sem pagamento de tributo, anteriores à publicação da respectiva ata de julgamento.
  • Tema 1.093 de repercussão geral (ADI 5.469) – Necessidade da edição de lei complementar para a cobrança do DIFAL: Em síntese, produção de efeitos a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão do julgamento, ressalvadas as ações judiciais em curso.
  • ADC 49 – ICMS sobre a transferência sem alteração de titularidade: Produção de efeitos a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito.

Além destes casos, vale a menção da contemporânea e surpreendente discussão do Tema 885 de repercussão geral, chamado de julgamento da “coisa julgada”, em que o STF concluiu que as decisões proferidas em sede de ação direta ou pela sistemática de repercussão geral, interrompem os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado de maneira contrária ao que decidido pela Corte Suprema.

O resultado prático, para o caso em discussão, foi a perda de efeitos das decisões que os contribuintes possuíam favoráveis ao não recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) a partir do entendimento de constitucionalidade de tal contribuição posteriormente pronunciado pelo STF.

Dada a insegurança jurídica decorrente do julgamento do Tema 885 de repercussão geral, a Corte Suprema agora avalia a possibilidade de modulação dos efeitos daquele entendimento, sendo que, atualmente, há voto da relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso para reafirmar o afastamento da modulação dos efeitos da tese paradigma, ou seja, para que o posicionamento adotado pela Corte Superior não possua limitação temporal, podendo ser aplicada para os casos anteriores e posteriores ao referido julgamento.

Por consequência, e mantido tal posicionamento, a União estará autorizada a proceder à cobrança da CSLL desde 2007 em relação a contribuintes que possuíam coisa julgada favorável e sobre a qual, segundo entendimento agora adotado pelo STF, houve a perda automática de seus efeitos futuros diante de posterior decisão de constitucionalidade.

Ainda que considerada a modulação um mecanismo de materialização da segurança jurídica, nota-se, ao menos nos casos aqui citados por amostragem, que referido instituto aplicado pelo STF é norteado pela segurança jurídica em favor do fisco, seja diante da noção de diminuição do impacto econômico decorrente da tese firmada (julgamentos favoráveis aos contribuintes), seja para manter a constitucionalidade tributária sem delimitação temporal de sua cobrança (julgamentos favoráveis ao fisco) – até mesmo quando os contribuintes “apostaram” nos efeitos da coisa julgada obtida[1].

Esta forma de atuação parece contrastar com a essência do instituto da modulação de efeitos, a qual, nas palavras de Eduardo Arruda Alvim, está fundada na proteção da confiança (não surpresa) depositada pelos jurisdicionados na atuação do Estado, especialmente considerando a natureza das decisões judiciais como efetiva pauta de conduta a ser seguida[2].

Quando voltados os olhos para o STJ, é possível verificar certa relutância histórica na aplicação da modulação de efeitos nos julgamentos de matéria tributária. Como exemplo, cita-se curiosa discussão quanto à aplicabilidade dos efeitos da tese firmada no REsp. 1.192.566/PE, referente ao reconhecimento da incidência do imposto de renda de pessoa física sobre o rendimento recebido como abono de permanência em serviço.

A partir da fixação da referida tese, a Primeira Turma do STJ passou a aplicar os efeitos do mencionado precedente de maneira prospectiva (para o futuro), sob a orientação de que a matéria era controvertida antes da definição adotada pelo repetitivo; enquanto a Segunda Turma daquela Corte Superior entendia pela impossibilidade de limitação temporal do julgado, visto que não indicado por ocasião do julgamento paradigma (aplicação, portanto, para passado e futuro).

A definição desta questão se deu via embargos de divergência (EREsp. 1.548.456/BA), endossando o entendimento adotado pela Segunda Turma para não modular os efeitos da tese firmada sob a sistemática repetitiva.

Em outra situação, a 1.ª Seção da Corte Superior fixou a tese de que a correção monetária sobre os valores objeto de pedido de ressarcimento de tributos se iniciaria tão somente quando esgotado os 360 dias, contados do respectivo protocolo, sem o pagamento pela autoridade fiscal (REsp. 1.768.415/SC).

No referido julgamento, conquanto fosse possível identificar decisões da Corte e dos Tribunais Federais no sentido de que a correção monetária seria devida desde a data do protocolo do pedido de ressarcimento, a avaliação do STJ foi no sentido de que não havia se formado jurisprudência dominante a respeito do assunto capaz de atrair a aplicabilidade da modulação dos efeitos do julgado.

Naquela oportunidade, o Ministro Relator Sérgio Kukina destacou o posicionamento adotado anteriormente pela 3.ª Turma daquela Casa (REsp 1.721.716/PR), no sentido de que “A modulação de efeitos do art. 927, § 3º, do CPC/15 deve ser utilizada com parcimônia, de forma excepcional e em hipóteses específicas, em que o entendimento superado tiver sido efetivamente capaz de gerar uma expectativa legítima de atuação nos jurisdicionados e, ainda, o exigir o interesse social envolvido”.

Mais recentemente, o STJ inaugurou nova discussão, ainda não definitivamente julgada, quanto à possibilidade de emprego da modulação dos efeitos em relação ao Tema Repetitivo 1.079, referente à limitação da base de cálculo das contribuições parafiscais a 20 salários-mínimos.

Fala-se de um dos primeiros julgados em matéria tributária, com a previsão trazida pelo CPC/15, em que há a consideração da modulação de efeitos da decisão emanada pela Corte Superior. Naquele paradigma, a Ministra Regina Helena Costa, ao proferir o seu voto desfavorável à tese dos contribuintes, sob o aspecto da segurança jurídica, delimita os efeitos do julgamento excetuando os contribuintes que ingressaram com ação judicial ou pedido administrativo até a data do referido julgamento e que tenham obtido decisões favoráveis, as quais somente terão validade até a publicação do acórdão da tese adotada no julgamento repetitivo[3].

Ou seja, a proposta de modulação de efeitos, apresentada pela referida Ministra, permite que apenas os contribuintes que possuam decisão favorável à limitação em debate não sejam impactados pelo julgamento desfavorável à tese, isto até a data da publicação do acórdão que julgará o Tema Repetitivo 1.079.

Posteriormente, ao avaliar que não havia jurisprudência pacificada sobre o tema, o Ministro Mauro Campebell divergiu quanto à aplicação da modulação de efeitos para o fim de negá-la no referido caso. Atualmente, o julgado em questão foi suspenso em decorrência de pedido de vista regimental formulado pela Ministra Regina Helena Costa.

Independentemente da aplicação da modulação de efeitos naquele caso, é possível notar que a respectiva proposta, até então formulada pela Ministra Regina Helena Costa, traz elementos um pouco diferentes daqueles adotados pelo STF em passado recente, especialmente por incluir a necessidade de que haja decisão favorável ao contribuinte; o que, na prática, afetará a poucos jurisdicionados, visto que o próprio STJ havia ordenado o sobrestamento nacional da discussão desta matéria no Poder Judiciário ainda em dezembro/2020.

Diante disto, ainda que referido julgado esteja pendente de decisão definitiva, fato é que este traduz importância singular em relação à forma como o STJ enfrentará a modulação dos efeitos nos julgamentos de matéria tributária, podendo ser tendência para as inúmeras outras discussões afetadas por aquela Corte Superior para julgamento pela sistemática dos recursos repetitivos.

Por fim, frente à breve análise acima feita, denota-se a importância de que as discussões judiciais em matéria tributária sejam antecipadas pelos contribuintes, antes do julgamento pelas Cortes do Poder Judiciário, com o intuito de evitar ou mitigar os impactos decorrentes de eventual modulação dos efeitos da tese a ser firmada.

[1] Consoante entendimento manifesto pelo Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento do Tema 885 de repercussão geral, os contribuintes fizeram uma “aposta” ao não recolherem o tributo, afastado por coisa julgada favorável, diante do julgamento de constitucionalidade do tributo mediante a ADI 15

(https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=502140&ori=1)

[2] Rádio Decidendi: suspensão, modulação e efeitos no sistema de precedentes – Eduardo Arruda Alvim • Superior Tribunal de Justiça (spotify.com).

[3] https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/stj-relatora-vota-contra-teto-de-20-salarios-minimos-para-contribuicao-ao-sistema-s-26102023

https://www.migalhas.com.br/quentes/395967/stj-comeca-a-julgar-acao-que-pode-tirar-recursos-do-sistema-s

Por Rafael Pilch de Matos e Ariana de Paula Andrade Amorim

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