Balanços de empresas deveriam poder ser publicados apenas na internet?

Motivos e métodos errados

Entre os princípios fundamentais de melhores práticas de governança corporativa encontramos o da transparência, que significa não somente a observação do dever legal de informar que as organizações devem cumprir, mas, acima de tudo, o desejo sincero de abastecer o público em geral (acionistas, investidores do mercado de capitais, consumidores, fornecedores etc.) de informações relevantes sobre o seu desempenho nos diversos aspectos, tanto econômicos quanto socioambientais. Trata-se da forma mais eficiente que as organizações têm de prestar contas a respeito de seu desempenho e impacto gerado por sua atuação. Para que tais informações de fato cheguem a todos os interessados, o ideal é que sejam utilizados meios de comunicação eficientes, em especial os eletrônicos.

Não é de hoje que as companhias, especialmente aquelas de capital aberto, defendem a ideia de que as publicações obrigatórias sejam feitas por meio eletrônico e não mais somente pela publicação em jornal físico. Entre os motivos, os altos custos das publicações e a eficiência do on-line. Sensível a isso, em abril desse ano o governo sancionou a Lei 13.818, que alterou a Lei das S/A, admitindo a possibilidade de essas publicações em meio jornal se darem de forma resumida, desde que sua íntegra estivesse simultaneamente disponível na página do mesmo jornal na internet, acompanhada de certificado de autenticidade dos documentos publicados.

Para a surpresa de todos, o mesmo governo, menos de quatro meses depois, e agora por meio da Medida Provisória 892, revoga a lei que tinha acabado de sancionar e, dessa vez, cria norma determinando que, em se tratando de companhia com valores mobiliários negociados em bolsa de valores, referidas publicações sejam feitas exclusivamente no seu site, no da Comissão de Valores Mobiliários e também no site da Bolsa de Valores onde seus valores mobiliários estejam sendo negociados, não sendo mais necessária a utilização da imprensa escrita para tanto. No caso das companhias de capital fechado, essa mesma MP disciplina que caberá ao Ministério da Economia determinar a forma de sua publicação, cujo meio certamente dispensará a utilização da imprensa escrita.

Causa estranheza a forma desencontrada e arbitrária como um assunto de tamanha importância é tratado pelo governo. Pelas declarações do presidente, ficou claro que a motivação para essas alterações foi penalizar a imprensa, pela qual não nutre nenhuma simpatia e que tem nas publicações obrigatórias uma importante fonte de receita.

Não só os motivos, mas também o meio não é adequado. É evidente que esse tema não tem a urgência e relevância a justificar a utilização de uma medida provisória; pelo contrário, como se trata de uma discussão antiga, nada mais adequado que fosse tratado por meio de um processo legislativo ordinário, com a participação indispensável do Poder Legislativo.

Infelizmente, esses defeitos acabam por retirar da MP 892 a sua constitucionalidade e legitimidade, seja porque as motivações de sua criação são pouco republicanas, seja porque o meio pelo qual veio ao mundo jurídico certamente é impróprio e, acima de tudo, por causa do evidente desvio de finalidade e ausência de impessoalidade de tal medida. Tanto é assim que surgem vozes no Congresso e no Supremo Tribunal Federal que já indicam uma grande dificuldade de essa medida provisória vir a se converter em lei.

O ambiente empresarial necessita de estabilidade e previsibilidade; só assim veremos os investimentos, tão necessários para a retomada do crescimento do Brasil, voltarem. Não será com atitudes destemperadas e autoritárias que se alcançará a estabilidade, ao contrário.

Artigo escrito por Marcelo M Bertoldi, publicado no portal Gazeta do Povo.


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