Liberdade Econômica e as súmulas administrativas

Súmulas editadas pelo CARF deverão se submeter às sumulas do Comitê? Não estaríamos diante de um novo órgão julgador?

Se há fato constante no dia a dia do contribuinte é a ausência de monotonia. As novidades que afetam as expectativas dos contribuintes brasileiros emergem a cada manhã. A Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) é uma delas.

De início a Lei evidencia que se restringe às relações privadas, privando (com o perdão do pleonasmo), o Governo dos seus efeitos – conforme art. 1º, §3°. Contudo, há algumas novidades no campo do Direito Tributário. Neste ensaio trataremos do Comitê de Súmulas da Administração Tributária Federal (COSAT) e a dificuldade no seu estabelecimento.

Em menos de uma semana testemunhamos a criação e a extinção do COSAT. Após críticas à Portaria 531/2019, que previa a criação do Comitê composto apenas por representantes do Governo (Presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, pelo Secretário Especial da Receita Federal do Brasil e pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional) o Ministro da Economia revogou, em 07/10/2019, o mencionado Comitê, prometendo submeter à consulta pública sua proposta de formação.

Ocorre que a questão não se restringe à Portaria e à decisão do Ministério da Economia em conceder tamanho poder a três pessoas. O nascedouro do Comitê está na própria Lei da Liberdade Econômica. O artigo 13 altera a redação do artigo 18-A da Lei 10.522/2002, determinando que: “Comitê formado de integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editará enunciados de súmula da administração tributária federal, conforme o disposto em ato do Ministro de Estado da Economia, que deverão ser observados nos atos administrativos, normativos e decisórios praticados pelos referidos órgãos.”

Com isso, a própria Lei prevê a criação do Comitê, pretendendo afetar não apenas a administração fazendária, mas também os órgãos decisórios, dentre eles, o CARF.

Se por um lado a promessa do Comitê pode conferir segurança jurídica quanto ao posicionamento da administração fazendária, de outro tem grande potencial de enfraquecimento do CARF.

O CARF, como já manifestamos em outras oportunidades, é órgão julgador submetido ao Ministério da Economia e independente da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Com competência para julgar a legalidade dos atos da administração fazendária, tem a feliz formação paritária, capaz de conferir ambiente profícuo à discussão técnica, que muitas vezes não encontra espaço no já saturado Poder Judiciário, além de assegurar, por meio da composição de seus julgadores, a representatividade dos contribuintes, historicamente vulneráveis frente ao Estado. Sem embargo das críticas a alguns aspectos do Conselho, fato é que a atuação independente do órgão permite ao contribuinte atuação intensa e forte expectativa de que se tenha voz perante a administração pública federal.

Entretanto, essa liberdade encontra ameaça no famigerado Comitê que, ao pretender a uniformização do entendimento a ser aplicado pelo CARF, ameaça a dialeticidade permitida nos julgamentos, restando como última opção o Poder Judiciário.

E nesse ponto, chegamos à segunda razão pela qual o Comitê é infeliz quanto aos efeitos pretendidos às decisões administrativas do CARF. O CNJ já alerta há anos que a União lidera o ranking de litigantes do país. E ainda que se possa argumentar que o Comitê possa resolver isso, a história nos conta que as decisões proferidas em caráter vinculante na esfera administrativa tendem a piorar essa situação.

Frente a isso, compreender a revogação da Portaria 531/2019 e a promessa de submissão da proposta de formação do Comitê à consulta pública como vitórias do contribuinte deve causar alerta. Primeiro porque a Portaria espelhou-se na Lei n. 13.874/2019, que se encontra perfeitamente vigente. Segundo porque mesmo que seja assegurada a representação do contribuinte, o esvaziamento do CARF parece iminente.

Como serão resolvidos os possíveis conflitos de posicionamento do Comitê com o entendimento exarado pelo CARF? As súmulas editadas pelo CARF deverão se submeter às sumulas do Comitê? Não estaríamos, em verdade, diante de um novo órgão julgador?

É preciso não confundir a necessidade de administração fazendária coesa e estável com o sufocamento de Conselho independente, paritário e de alta tecnicidade, cuja função é justamente garantir a legalidade dos atos de lançamento, mediante o devido processo administrativo.

 

Natália Brasil Dib e Fernanda Luiza Tumelero do escritório Marins Bertoldi Advogados.

Fonte: Jota.

 



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