MP 1.202/2023 e a reoneração da folha de pagamentos. Descubra os principais impactos

Um dos pontos mais polêmicos da Medida Provisória 1.202/2023[1], publicada na última sexta-feira (29/12/2023), é a reoneração gradual da folha de pagamento a partir de 1º de abril de 2024. A medida faz parte de uma proposta da equipe do Ministro Fernando Haddad para assegurar o cumprimento do déficit fiscal em 2024 e revoga a Lei 14.784/2023, por meio da qual o Congresso Nacional havia prorrogado a desoneração da folha de pagamentos até 2027 para 17 setores econômicos.

O mecanismo de desoneração da folha teve início em 2011, com o objetivo precípuo de estimular a geração de empregos e reduzir a carga tributária de determinadas atividades. A medida prevê que as empresas de setores específicos paguem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, ao invés da alíquota de 20% sobre a folha de salários. A medida foi sucessivamente prorrogada desde 2011.

Na nova sistemática proposta pelo Governo, as empresas contempladas[2] foram divididas em dois grupos (Anexo I e Anexo II), considerando a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Para o primeiro deles, que inclui atividades de transporte, comunicação e tecnologia da informação, a MP prevê o escalamento das alíquotas desoneradas, a serem recolhidas a partir de 10% em 2024 e chegando a 17,5% em 2027. Já para as empresas do segundo grupo, que abrange indústrias têxtil e de calçados, construção civil e mercado editorial[3], essa retomada gradual parte de 15% em 2024 e, após ser majorada ano a ano, atinge a proporção de 18,75% em 2027.

O texto da MP também define importante subversão na sistemática de cálculo da desoneração, visto que as alíquotas desoneradas só se aplicarão sobre o salário de contribuição do segurado até o valor de um salário-mínimo. Em relação ao excedente, serão aplicadas as alíquotas vigentes na legislação (20%).

Além disso, uma contrapartida foi criada para as empresas que optarem pela utilização da alíquota reduzida prevista na MP, pois para se valer do regime, deverão assumir o compromisso de manter em seus quadros de colaboradores contingente igual ou superior àquele de 1º de janeiro de cada ano-calendário. Em eventual descumprimento, perde-se o direito ao benefício.

Para além da flagrante impopularidade com que referido ato normativo foi recepcionado por diversos setores da sociedade, haja vista se traduzir em um incremento do ônus tributário, vislumbra-se que sua edição se encontra maculada por arbitrariedades e se traduz numa distorção do devido processo legislativo e democrático.

Isso porque a intenção do Governo de promover a reoneração da folha de pagamento já havia sido manifestada por meio do veto presidencial total aposto ao Projeto de Lei nº 334/2023, que versava sobre a prorrogação da desoneração. Contudo, esse intento já havia sido rechaçado por deliberação soberana do Congresso Nacional, por meio da rejeição do referido veto, com a consequente promulgação da Lei 14.784/2023, que garantiu a desoneração da folha, na sistemática então apurada, até 2027.

Considerando que a MP foi editada apenas um dia após a derrubada do veto presidencial, é evidente a intenção do Poder Executivo de subverter a lógica legislativa, o que justifica a aplicação analógica da vedação contida no art. 62, §10 da Constituição Federal, que proíbe a reedição de MP na mesma sessão legislativa em que já foi rejeitada pelo Congresso Nacional.

Mas não só. A polêmica em torno da referida medida também envolve o desvio de finalidade do referido instrumento, visto que não se verifica o preenchimento do requisito da urgência, imprescindível para sua edição. De fato, se a própria MP prevê que a reoneração não produzirá efeitos imediatos, mas apenas a partir de abril/2024, não se encontra razão para referido atropelo legislativo, ante a existência de tempo hábil para que eventual modificação na sistemática da desoneração seja submetida ao processo legislativo regular.

Pontua-se, por fim, em meio a toda essa problemática e aos clamores para que a Medida Provisória 1.202/2023 seja devolvida, que referido instrumento normativo precisará passar pelo crivo do Congresso Nacional em até 60 dias, prorrogáveis por igual período, ocasião em que poderá sofrer alterações. Caso “caduque” ou não seja aprovada, a medida deixará de surtir efeitos. Isso não impede, contudo, que desde logo a insegurança jurídica se instaure e prejudique o planejamento das empresas para 2024, já que a opção pela desoneração deverá se dar ainda no mês de janeiro, em meio a esse cenário incerto e obscuro.

O Núcleo de Direito Tributário do Marins Bertoldi Advogados acompanha atentamente os desdobramentos do tema e coloca-se à inteira disposição para sanar eventuais dúvidas e aprofundá-lo dentro de cada realidade empresarial.

ROL DE ATIVIDADES IMPACTADAS – MP 1.202/2023

Grupo 1

  • Transporte ferroviário de carga
  • Transporte metroferroviário de passageiros
  • Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal e em região metropolitana
  • Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, intermunicipal, interestadual e internacional
  • Transporte rodoviário de táxi
  • Transporte escolar
  • Transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, e outros transportes rodoviários não especificados anteriormente
  • Transporte rodoviário de carga
  • Transporte dutoviário
  • Atividades de rádio
  • Atividades de televisão aberta
  • Programadoras e atividades relacionadas à televisão por assinatura
  • Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda
  • Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis
  • Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador não customizáveis
  • Consultoria em tecnologia da informação
  • Suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação

Grupo 2

  • Curtimento e outras preparações de couro
  • Fabricação de artigos para viagem, bolsas e semelhantes de qualquer material
  • Fabricação de artefatos de couro não especificados anteriormente
  • Fabricação de calçados de couro
  • Fabricação de tênis de qualquer material
  • Fabricação de calçados de material sintético
  • Fabricação de calçados de materiais não especificados anteriormente
  • Fabricação de partes para calçados, de qualquer material
  • Construção de rodovias e ferrovias
  • Construção de obras de arte especiais
  • Obras de urbanização – ruas, praças e calçadas
  • Obras para geração e distribuição de energia elétrica e para telecomunicações
  • Construção de redes de abastecimento de água, coleta de esgoto e construções correlatas
  • Construção de redes de transportes por dutos, exceto para água e esgoto
  • Obras portuárias, marítimas e fluviais
  • Montagem de instalações industriais e de estruturas metálicas
  • Obras de engenharia civil não especificadas anteriormente
  • Edição de livros
  • Edição de jornais
  • Edição de revistas
  • Edição integrada à impressão de livros
  • Edição integrada à impressão de jornais
  • Edição integrada à impressão de revistas
  • Edição integrada à impressão de cadastros, listas e de outros produtos gráficos

Atividades de consultoria em gestão empresarial

[1] Medida Provisória 1.202/2023. Presidência da República. Disponível online em: https://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1202.htm. Acesso em 02. Jan. de 2024.

[2] Vale alertar que alguns setores econômicos antes contemplados pela desoneração da folha de pagamento ficaram de fora dos Anexos da MP.

[3] Listagem completa ao final do artigo.

Por Matheus André Ribeiro e Viviane de Carvalho Lima

Compartilhe