Transferências entre filiais e operações sem crédito do ICMS

A decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 49, que considerou não ser hipótese de incidência do ICMS as transferências entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, continua repercutindo no cotidiano das empresas e tem suscitado dúvidas aos sujeitos da obrigação.

Ato contínuo, foi editada a Lei Complementar nº 204/2023, que introduziu alterações à Lei nº 87/1996 – Lei Kandir, tendo positivado que as remessas interestaduais de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade não serão tributadas pelo ICMS, por não mais configurarem hipóteses de incidência.

Contudo, antes mesmo da edição da Lei Complementar nº 204/2023, um dos primeiros movimentos realizados para incorporar a decisão à rotina fiscal das empresas foi a celebração do Convênio ICMS nº 178/2023, o qual ditou as regras a serem observadas pelas Unidades Federadas na tratativa das operações de transferência. Neste ponto, chamou atenção o disposto na Cláusula Primeira do referido Convênio, por tratar da obrigatoriedade de transferência dos créditos por parte do estabelecimento remetente ao estabelecimento destinatário, previsão esta que não havia sido objeto de discussão pelo STF. Cumpre pontuar que recentemente a Corte rejeitou Embargos de Declaração em que se discutia tal obrigatoriedade, contudo, sem analisar o mérito.

Insta acrescentar que, dentre as alterações promovidas na Lei Kandir, não foi determinada de forma expressa a obrigatoriedade de que o estabelecimento remetente transfira os créditos, mas sim prevê a manutenção do crédito em favor do contribuinte.

Assim, diante de eventual conflito de regras, novamente se encontra o contribuinte do ICMS diante de normas que dificultam sua aplicação pratica como nos casos de contribuintes que usufruem de benefícios fiscais que resultem em operações sem direito de manutenção dos créditos.

Tome-se como exemplo aqueles contribuintes paranaenses que realizam operações de importação por meio dos portos e aeroportos paranaenses, os quais fazem jus ao crédito presumido previsto no Regulamento do ICMS. Há a determinação que, em caso de nova saída interestadual tributada sob alíquota de 4% ou sob amparo de isenção ou não tributação, deverá ser estornado o crédito presumido escriturado.

Em âmbito estadual, o Paraná publicou o Decreto nº 4.709/2024, de 31/01/2024, (acesse aqui nosso informativo), que introduziu alterações em seu Regulamento do ICMS para internalizar as regras quanto à transferência de créditos nas operações entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Frise-se que o Decreto reproduz as cláusulas do Convênio ICMS nº 178/2023, inclusive com a controversa determinação de obrigatoriedade de transferência dos créditos (art. 579-J) e a necessidade de consignação do valor do crédito a ser transferido no documento fiscal, no campo de destaque do imposto.

Consta também nos dispositivos do Decreto, em seu art. 579-O, a determinação de que a utilização da sistemática de transferências dos créditos não importa no cancelamento ou modificação dos benefícios fiscais concedidos pela unidade federada de origem, hipótese em que deverá ser efetuado o lançamento de um débito, equiparado ao estorno de crédito previsto.

Para o exemplo do contribuinte que importa pelos portos paranaenses e utiliza o referido crédito presumido, como exposto anteriormente, há previsão para que suas saídas não tributadas resultem no estorno do crédito. Contudo, a partir das novas normas consignadas pelo Decreto nº 4.709/2024, não resta claro se, ainda assim, estará obrigado a realizar destaque do ICMS a débito no documento fiscal que acompanhar a operação, para cumprir obrigação acessória, ainda que não exista crédito a ser transferido.

Situações como esta não foram expressamente observadas pelo Decreto nº 4.709/2024 e podem fazer surgir novos litígios entre fisco e contribuintes. Ademais, há que se considerar que a obrigatoriedade de destaque do imposto não foi prevista nas alterações promovidas na Lei Kandir.

Cabe salientar, ainda, que a Lei nº 11.580/96, que disciplina o ICMS no Estado do Paraná, até o presente momento não foi alterada para que conste previsão de que as transferências entre filiais não mais são hipótese de incidência do ICMS, tão pouco, quanto às regras de obrigatoriedade de transferência dos créditos, nem de destaque do crédito na nota fiscal..

De toda sorte,  o tema ainda suscitará repercussões e devem todos estarem atentos aos ditames das novas normas que continuamente vem sendo publicadas. Para tanto, o Núcleo de Direito Tributário do Marins Bertoldi Advogados se coloca sempre à disposição para sanar eventuais dúvidas dentro de cada realidade empresarial.

Por Gabriela Marugal Munhoz Rodrigues e Vinícius Encinas Paz

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